tag:blogger.com,1999:blog-33337916659657309852024-03-13T14:51:22.834-07:00Anais do III Seminário Internacional Farias BritoCEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/14536516851252027056noreply@blogger.comBlogger7125tag:blogger.com,1999:blog-3333791665965730985.post-16491127349206465432009-09-14T23:15:00.000-07:002011-03-10T14:44:12.869-08:00Aristotelismo: A Ciência da Alma como Problema<span style="color:#cccccc;"><span style="font-size:78%;">Aos 410 anos da Ratio Studiorum<br />e da morte de Pedro da Fonseca</span><br /></span><br /><br /><span style="color:#ff0000;">O Centro de Filosofia Brasileira do Programa de Pós-graduação em Filosofia-PPGF da UFRJ realizou, com patrocínio do PPGF, do Convênio BB-UFRJ e da CAPES, nos dias 24-25/08/2009, o terceiro encontro anual do Seminário Internacional Farias Brito em torno ao tema “Aristotelismo: A Ciência da Alma como Problema". A Conferência Farias Brito coube ao Prof. Dr. Mário Santiago de Carvalho, da Universidade de Coimbra.<br /><br />Local: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais-IFCS<br />Largo de São Francisco de Paula, 1<br />Sala Celso Lemos (3º Andar)<br />20051-070 Rio de Janeiro-RJ<br />Telef.: (021) 2224-6379<br /><br /><strong><span style="color:#cccccc;">Programa</span></strong><br /><strong>24/08/2009 (segunda-feira)<br /></strong>10:45 Abertura<br />11:00 Conferência Farias Brito: “Ciência da Alma e conhecimento de si no Comentário Jesuíta Conimbricense a Aristóteles (1598)”<br />Prof. Dr. Mário Santiago de Carvalho (Universidade de Coimbra)<br />13:00 Intervalo<br />15:00 “O Aristotelismo como Tradição Originária da Filosofia no Brasil”<br />Prof. Dr. Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ)<br />15:40 “A Mente e o Conhecimento de si em Tomás de Aquino”<br />Prof. Dr. Leonardo Almada (CEFIB/UNESP)<br />16:20 “Antônio Vieira e a Medicina da Alma”<br />Profa. Dra. Marina Massimi (USP)<br /><br /><strong>25/08/2009 (terça-feira)</strong><br />10:00 “Guilherme de Ockham e o porquê da abstração”<br />Prof. Dr. Rodrigo Guerizoli (UFRJ)<br />11:00 “Percepção e Cognição nos Conimbricenses”<br />Prof. Dr. João Batista Madeira(FFCLRP-USP)<br />13:00 Intervalo<br />15:00 “De Anima III, 9-11: Vida e Movimento”<br />Prof. Dr. António Manuel Martins (Universidade de Coimbra)<br />16:00 “De Anima III: Alma e Afecção”<br />Prof. Dr. Marco Zingano (USP)<br /><br /><span style="color:#cccccc;"><strong>Comissão Organizadora<br /></strong></span>Prof. Dr. Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ)<br />Prof. Dr. António Manuel Martins (Universidade de Coimbra)<br /><br />Centro de Filosofia Brasileira-CEFIB<br />Largo de São Francisco de Paula, 01 - Sala 325 C<br />20051-070 Rio de Janeiro<br />Telefone: (021) 2221-0034 - Ramal: 325<br />Fax: (021) 2221-1470<br />E-mail: <a href="mailto:cerqueira@ifcs.ufrj.br">cerqueira@ifcs.ufrj.br</a></span>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/14536516851252027056noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3333791665965730985.post-14192192070275611822009-09-14T23:14:00.000-07:002012-12-16T08:41:01.446-08:00Ciência da alma e conhecimento de si no comentário jesuíta conimbricense a Aristóteles (1598) - Conferência Farias Brito<div align="justify">
<span style="font-size: small;"><b>Mário Santiago de Carvalho (universidade de Coimbra)</b></span><br />
<br />
<span style="color: #cccccc; font-size: xx-small;">Notas ao fim do texto</span><br />
<br />
<b><span style="color: #cccccc;"><span style="color: white;">Preâmbulo</span><span style="font-size: small;"> </span></span></b><br />
<span style="color: #cccccc;"><span style="font-size: small;">Com um ponderado sentido de responsabilidade filosófica acedi ao honroso convite para inaugurar este IIIº Seminário, reunido sob a égide de Farias Brito (1862-1917). Motivou-me, no seu espiritualismo, – que como atestou o Prof. Luiz Alberto Cerqueira, “ficou marcado pela (…) abertura para o divino [e] para o mistério, numa época em que o aristotelismo português se encontra definitivamente superado e o Brasil se empenha numa consciência crítica da própria formação social”[<span style="color: white;"><b>1</b></span>] – motivou-me, dizia, uma dupla vertente, transcendental e histórica, assim se justificando sem constrangimento o tema que escolhi para vos falar nesta ocasião. Terminarei, por isso, evocando a relação da psicologia com o conhecimento de si, tal como o podemos interpretar na perspectiva do volume do Comentário ao ‘De Anima’ de Aristóteles composto em Coimbra, pela Companhia de Jesus, no derradeiro decénio do século XVI[<span style="color: white;"><b>2</b></span>]. À luz da definitiva superação do aristotelismo português por F. Brito, não resulta bizarro – atrevo-me a conjecturar – o desafio que aceitei, pois em 1912 este distinto filósofo brasileiro, “moderado” e “sereno” crítico do positivismo[<span style="color: white;"><b>3</b></span>], formulava uma por si chamada “psicologia transcendente”, ou antes, transcendental, como atalhou o seu exegeta, interpretada enfim como “o método próprio da filosofia”[<span style="color: white;"><b>4</b></span>]. Ora, nas páginas do Comentário organizado pelo padre jesuíta Manuel de Góis (1547-1597), o elogio da <i>scientia de anima</i> – expressão que, com a também propalada “scientia animastica”, seja esta de Agostinho Nifo ou de Marcantonio Genua[<span style="color: white;"><b>5</b></span>], antecipará a designação que acabou por vingar, “psicologia”[<span style="color: white;"><b>6</b></span>] – é justificado pelo contributo desta matéria para a ética e para o conhecimento da verdade. ‘Mutatis mutandis’, atente-se na afinidade desta posição com a afirmação de um dos mais famosos neurocientistas, António Damásio, de acordo com a qual “só criamos um sentido do bem e do mal, assim como normas de comportamento moral, quando conhecemos a nossa própria natureza…”[<span style="color: white;"><b>7</b></span>] Não há, bem entendido, em Coimbra, qualquer identidade com o projecto de Farias Brito, mas hoje gostaria de atender à coincidência de essas duas vertentes se articularem com o conhecimento de si, instalando-se explicitamente na vetusta linhagem délfica e socrática do “Conhece-te a ti mesmo”, que o nosso Jesuíta justifica afirmando que “ninguém se pode conhecer a menos que tenha examinado atentamente a dignidade e a natureza da sua alma”. Ouçamos então tão solene e elogiosa abertura:</span></span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">“Pelo rigor da demonstração, da matéria sobre que versa e pela nobreza, a ciência da alma sobressai de entre as outras partes da Filosofia, quer seja para regular e gerir a vida com dignidade, quer seja para conhecer tudo da verdade útil.” (<i>In III De Anima - Proemium</i>)</span><br />
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">Assim se lê, tal e qual, no Comentário que os Jesuítas de Coimbra compuseram primeiro para explicar aos seus alunos o ‘De Anima’ de Aristóteles, desde já retendo a afirmação de que “o conhecimento de si” depende do exame ou da indagação da <i>dignidade</i> e da <i>natureza</i> da alma.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Como é sabido, o volume que edita o comentário ao ‘De Anima’ faz parte de uma impressionante série editorial, composta por oito títulos (1592-1606), que conheceu fama ou expressão mundial, embora, ao contrário do que orgulhosamente haviam augurado os três censores nomeados para apreciarem a obra, sem que a “impressão” conferisse “imortalidade” ao Curso. Mas não seria exagerado apresentá-lo desta maneira, pois as suas milhares de páginas estenderam-se do Atlântico aos Urais, ainda utilizadas nas escolas católicas da Polónia e nas ortodoxas da Ucrânia no século XIX, e chegaram mesmo a conhecer uma tradução na China. No contexto europeu, o volume do ‘De Anima’ recebeu, pelo menos, quatro edições em Itália, seis em França e sete na Alemanha[<span style="color: white;"><b>8</b></span>]. Seja-me ainda permitido, entre muitos outros testemunhos possíveis acerca do valor desta série, citar o de um autor insuspeito, o filósofo português marxista, durante muito tempo mais conhecido internacionalmente, Vasco de Magalhães-Vilhena, que não hesitou em reconhecer a importância dos Jesuítas Conimbricenses, posta ao lado da de António Sérgio, “caso ímpar na cultura portuguesa”[<span style="color: white;"><b>9</b></span>]. Terá assim todo o sentido, proponho, reconhecer-se historiograficamente uma escola de Coimbra, tal como se fala de uma escola de Marburgo ou de uma escola de Viena ou de Oxford.</span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><br /></span><b> <span style="font-size: small;"><span style="color: white;"><span style="font-size: small;">S</span>ituação da ‘scientia de anima’ no conflito das interpretações</span> </span></b><br />
<span style="font-size: small;">Quer a malha textual do Comentário, quer a respectiva problemática apresenta-se historicamente sobredeterminada, para não dizer, sobrecarregada. O que quer dizer “examinar atentamente a dignidade e a natureza da alma humana” quando se comenta Aristóteles, depois de S. Agostinho, de Avicena, de Averróis, de S. Tomás e dos seus mais novos e circunspectos discípulos e críticos? E para tudo complicar: como ler a relação desta ciência com “a vida comum e os costumes”, com a “filosofia primeira”, e “por uma razão comum”, com “todas as partes da filosofia”?</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Excessiva ambição, decerto, acrescida pelo facto de “a meditação sobre a alma” ser legível nos múltiplos e complexos quadros “da razão e da prudência, como que (citando Trismegisto no <i>Asclépio</i>) “horizonte da eternidade e do tempo”, do inteligível e do nexo da natureza corpórea e dos limites:</span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">“Ou, como outros disseram, suma de todo o mundo, pois a natureza intermédia representa as extremas, a superior como imagem, a inferior, como exemplar”. (<i>In III De Anima - Prooemium</i>)</span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">É imperioso ler estas palavras nos termos engajados de uma tomada de posição perante uma polémica coeva – tenhamos presente que desde o Quattrocento se discutia precisamente a natureza do Homem e o seu lugar central na cadeia do Universo[<span style="color: white;"><b>10</b></span>] – polémica que, na esteira de Simplício, circunscrevia o “estudo científico da alma” a uma “mése ton hyperphyon kai ton physikon”, quer dizer, entre o que supera a natureza e a própria natureza[<span style="color: white;"><b>11</b></span>]. Como não evocar, pois, A. Nifo – cuja primeira leitura de Simplício admitia o carácter intermédio ou “matemático” da scientia de anima (1498) –; ou a rejeição desta tese matemática por Pietro Pomponazzi – este desvincula-a da metafísica a identificando inteiramente a <i>scientia de anima</i> com a filosofia natural (1514) –; ou ainda M. Genua (1540), o qual, apelando para Averróis e para Simplício, confere pela primeira vez à psicologia um lugar distinto, inidentificável quer com a metafísica, quer com a filosofia natural[<span style="color: white;"><b>12</b></span>]? Evidentemente, os Jesuítas conimbricenses acompanham a corrente latina, celebrada já por Nifo nos nomes de Alberto Magno, Tomás de Aquino, Egídio Romano ou João de Jandun, mas essa linhagem chegava agora às margens do rio Mondego também pelas mãos do velho Alexandre de Afrodísia (séc. III a.C.) e de Jacopo Zabarella (+ 1589), quiçá o mais distinto dos discípulos de Genua citado pelos nossos Jesuítas, o qual circunscrevia a scientia de anima ao âmbito da física. Não se há-de estranhar, por isso, a dupla vertente do alinhamento conimbricense: epistemológica, pelo lado do aristotelismo, que integrara a psicologia na física natural; e ontológica, pelo lado de São Tomás, não obstante o tomismo haver-se deparado com os fundamentos biológicos da noética[<span style="color: white;"><b>13</b></span>]. Talvez cause até maior surpresa a concessão à moda hermética, mediante uma afirmação de fé helenística e renascentista no acordo Platão e Aristóteles – acordo este, importa já anotá-lo, que não evitará compatibilizar a ‘forma’ aristotélica com o ‘eidos’ platónico:</span><br />
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">“E sendo a alma uma forma, deverá ser uma substância. Deve afirmar-se isto segundo a filosofia Académica e Peripatética, como se patenteia no diálogo de Platão sobre a alma, intitulado <i>Fédon</i>, e com base no que Aristóteles ensinou, quer profusamente, noutros passos, quer no primeiro capítulo[do <i>De Anima</i>], quando afirma que a alma é acto primeiro substancial” (<i>In III De Anima</i> II c.1, q.1,a.4)</span><br />
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">Sem escapar por completo, como já se percebe, a uma <i>prisca sapientia</i>, esse acordo complexificava-se mais ainda, mediante um apelo renovado à Patrística, e metafisicamente fundado pelo motivo criacionista de uma dada concepção da Providência, mais estóico do que aristotélico. Na verdade, escrevem os autores de Coimbra, uma vez que “a potência divina se difunde por todo o cosmo criado”, a “lei” que vemos presidir à harmonia, na sua quota-parte antropológica, só pode ser compreendida por uma “forma substancial”, no sentido de “substância espiritual”[<span style="color: white;"><b>14</b></span>]. Convido-vos a atentar no <i>tom</i> algo cusano subjacente ao seguinte excerto:</span><br />
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">"Pode, em suma, demonstrar-se que a alma é uma substância, como expôs magnificamente Gregório de Nissa, na disputa <i>De Anima</i>. (…) [A]quele que vê no mundo a variedade harmónica das coisas, a paz diferenciada dos opostos, a disputa em que se chega a acordo, depressa verifica, se concluir correctamente, que existe uma certa potência divina, que se difunde por todas as partes do mundo, contendo e encerrando todas as coisas no seu movimento, como também verificará que em qualquer coisa viva as qualidades contrárias são conservadas para reconduzir à harmonia. Não só as afecções opostas dos órgãos estão contidas numa determinada lei para que não se destruam mutuamente, como também funções tão diferentes são governadas com tanta ordem e consenso, que se compreende plenamente existir uma única forma de cujo mérito e benefício se perfazem todas as coisas. Esta forma não poderá ser acidental, mas substancial, porque tamanha eficácia e tanto poder sobre os membros das coisas vivas, como um governo das qualidades que se opõem, não poderá ser próprio de um acidente.” (<i>In III De Anima</i> II c.1, q.1, a.4)</span><br />
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">Em vista do que acabámos de lembrar compreende-se todo o esforço do Comentário coimbrão em aprofundar a relação da <i>scientia de anima</i> com a filosofia natural. Semelhante pesquisa deveria ser primeiramente de ordem editorial, mas, para os autores lusitanos, a inscrição da ciência da alma nos quadros da física, também procurava obstar a duas ameaças contemporâneas, quais a de interpretar o elogio e todos os seus méritos acabados de lembrar, fosse no âmbito da metafísica, fosse no de um estrito naturalismo. Dissemos “contemporâneas”, pois em Coimbra parece ter merecido uma especial atenção a obra do Bispo de Caserta, Antonio Bernardi (+1565)[<b><span style="color: white;">15</span></b>], ao qual voltaremos. Contra as posições mais extremas, os Jesuítas reivindicarão a exclusividade do estudo da alma no âmbito da física, abrindo apenas uma excepção para a dimensão teológica e preternatural da alma, mais própria do chamado estado da alma separada, sobre o qual, aliás, o nosso volume chega a acrescentar um apêndice homónimo a que ainda recorreremos. Do ponto de vista editorial, porém, a discussão passava por seguir ou Paulo Veneto, que sustentava que o tema do <i>De Anima</i> era o corpo animado, vindo por isso, esta obra, após os <i>Parva naturalia</i>, ou opinião mais generalizada, depois dos <i>Meteorológicos</i>. Decisão importante, pois não é a mesma coisa interpretar-se a <i>scientia de anima</i> ou como ciência do corpo animado (Veneto e Zabarella) ou como ciência da alma que anima todos os corpos vivos (Góis), inaugurada, por isso, na passagem ‘meteororum/de anima’.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Está, enfim, enquadrada a razão pela qual “a doutrina da alma existe como um compêndio de ciência das coisas humanas e divinas e prepara-nos para todo um outro conhecimento da verdade.” Apoiando-se nos <i>Solilóquios</i> de Agostinho quando afinal pretendiam começar a comentar Aristóteles, os Jesuítas de Coimbra declaram:</span><br />
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">“…há duas questões principais em filosofia; uma acerca da alma, outra acerca de Deus. A primeira, faz com que nos conheçamos a nós mesmos, a outra, que conheçamos a nossa origem. Aquela é-nos mais agradável, esta é mais gloriosa, aquela torna-nos dignos de uma vida feliz, esta torna-nos bemaventurados.” (<i>In III De Anima - Prooemium</i>)</span><br />
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">Neste texto, de ritmo binário, também ecoa uma concepção de felicidade ou bem-aventurança (<i>felicitas/beatitudo</i>) que os Jesuítas Conimbricenses tinham desenvolvido no pequenino volume das disputas sobre a ‘Ethica’ (1593), monografia que, ao acolher uma felicidade própria do ser humano como membro da sociedade civil, os permitiria aplicar o âmbito da<i> scientia de anima</i> também à ciência da acção, tornando-nos “dignos de uma vida feliz”. Trata-se aliás de uma coerência aristotélica, combinar ética e política. Contudo, importa ter presente que tal solução é pré-moderna, pois a ciência da acção em causa, “ao mesmo tempo que comporta um esplendor próprio inerente à defesa da coisa pública…” traduz-se na possibilidade que um espírito superior tem de “conservar a moderação, de reprimir os apetites errantes, de não se envaidecer com a vã ostentação.”[<span style="color: white;"><b>16</b></span>]. Seja como for, a submissão da política à ética e o entendimento que os Jesuítas fazem da filosofia moral como “animae medicatrix”[<span style="color: white;"><b>17</b></span>] também concita a anterioridade da filosofia natural, na medida em que, antes de mais – insistem os autores – só se pode saber em e no que cuidar caso se conheça a natureza da alma (<i>quid sit anima</i>)[<span style="color: white;"><b>18</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">É agora patente que o Comentário ao <i>De Anima</i> nem sempre está (nem sempre pode estar) com Aristóteles, ou melhor, ele promove uma interpretação do Estagirita que convém conhecer sem paralisantes prejuízos. Atrever-me-ia, por isso, à liberdade de dois paralelos. O primeiro, de cariz musical, na esteira de uma evocação por mim já feita de Palestrina, noutro lugar, para recordar que o episódio da leitura de Aristóteles em Coimbra faz-nos pensar na inusitada história do Terceiro Concerto Brandeburguês de Bach, também ele eterno sobrevivente a um número infinito de transformações[<span style="color: white;"><b>19</b></span>]. O segundo paralelo, que decerto também me perdoarão, para lembrar que a severa reprimenda de Hegel à atitude dos seus contemporâneos franceses em relação a Aristóteles – eles que atribuíam cegamente ao Filósofo afirmações, sem se preocuparem em verificar se elas se encontravam nos seus escritos![<span style="color: white;"><b>20</b></span>] –, colheria também em algumas leituras impressionistas ou ideológicas dos Jesuítas em nossos dias. Oxalá este preconceito negativo se comece a desvanecer.</span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;"><b><span style="color: white;">O itinerário de um Comentário</span></b></span><br />
<span style="font-size: small;">Tratado o lugar epistémico e sócio-ideológico da <i>scientia de anima</i>, passemos àquela dimensão que Alison Simmons chamou a “reconstrução racional” da psicologia aristotélica[<span style="color: white;"><b>21</b></span>]. A obra psicológica de Manuel de Góis – realizada pelo menos dez anos antes da data da sua publicação – não pode deixar de compartilhar do movimento de uma reflexão geral no seio da Companhia de teor pedagógico, filosófico e teológico. No que toca à psicologia, além das dimensões a que noutro lugar me referi[<span style="color: white;"><b>22</b></span>], poderíamos enquadrar aquele movimento à luz dos trabalhos paralelos e mais ou menos coevos de Francisco Toledo – publicado em 1575 o seu Comentário remonta aos anos 60 – e de Francisco Suárez, cujo <i>De Anima</i>, embora editado só em 1621, precisamente por um dos autores ligados ao Curso de Coimbra, Baltasar Álvares, provém dos anos 70 do século XVI. A leitura do volume de Coimbra revela-nos, por um lado, parcialmente, a adopção da metodologia literária de Toledo e, por outro, um perfil ecléctico como o de Suárez que,articulando a tradição aristotélica e tomista com a psicologia renascentista, não hesita em discutir as teses mais recentes, como veremos. É por isso possível delinear a organização sistemática da psicologia coimbrã, da seguinte maneira:</span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">I. Introdução</span><br />
<span style="font-size: small;">I1. Situação literária da <i>scientia de anima</i></span><br />
<span style="font-size: small;">I2. Definição da alma (o chamado <i>methodus inveniendi animae definitionem</i>)</span><br />
<span style="font-size: small;">I3. Fundamentação física da noética</span><br />
<span style="font-size: small;">II. Natureza e Divisão da alma (cc. 1-2)</span><br />
<span style="font-size: small;">III. As faculdades em geral (c. 3)</span><br />
<span style="font-size: small;">IV. A vegetativa (c. 4)</span><br />
<span style="font-size: small;">V. A sensitiva (cc. 5-12)</span><br />
<span style="font-size: small;">VI. Sentidos externos (c. 1)</span><br />
<span style="font-size: small;">VII. Sentidos internos (cc. 2-3)</span><br />
<span style="font-size: small;">VIII. Faculdade intelectiva (cc. 4-8)</span><br />
<span style="font-size: small;">IX. Vontade e movimento dos/nos seres (cc. 9-13)</span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">Sobre I. queremos lembrar duas coisas. Primeiro, que o carácter diaporemático e doxográfico do livro que abre o <i>De Anima</i> era razão invocada desde o século XIII para o mesmo não ser ‘lido’ na íntegra, atitude que também ficará consagrada numa determinação do <i>Ratio</i>[<span style="color: white;"><b>23</b></span>]. Depois, para justificar a imediata problematização textual da independência da alma intelectiva. De facto, a pergunta “se há ou não um acto ou afecção próprio da alma e se o pensamento pode, nesse caso, dar-se sem o corpo” é epistemológica e, nessa medida, convoca as três ciências teoréticas – matemática, física e metafísica – a fim de justificar por que razão Aristóteles atribuiu à física o estudo da alma.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Sobre as restantes divisões, teríamos de dizer o seguinte. Há capítulos no <i>De Anima</i> que suscitam discussões amplas que não podiam deixar de extravasar do legado aristotélico; é o caso, naturalmente, do primeiro capítulo que, a propósito da definição aristotélica de <i>psyché</i>, ultrapassa o aristotelismo em aspectos mais teológicos (criação da alma intelectiva por Deus, o momento do tempo ela é infundida no corpo e a dignidade das almas intelectivas) e entra em aspectos históricofilosóficos (relação da alma intelectiva com a teoria hilomórfica, monopsiquismo, conformidade alma/faculdades/corpo). É o que se passa também com as questões discutidas no capítulo sexto sobre a natureza da sensação, o tema das espécies sensíveis, a questão do conhecimento abstractivo baseado exclusivamente nos sentidos, a relação entre sensível comum e espécie, e o problema do erro. É o que sucede ainda com as nove questões sobre a vista, de que nos ocupámos no último encontro da Sociedade Aristotélica, ocorrido em Coimbra[<span style="color: white;"><b>24</b></span>]. Porque os capítulos a seguir (mormente 8 a 11) se dedicam aos restantes quatro sentidos, também detalhando algumas questões a propósito (quatro questões sobre a audição, cinco sobre o olfacto, duas sobre o paladar e três sobre o tacto), parece-nos ser de salientar o amplo horizonte e a grande importância da teoria da percepção sensível, mormente os problemas de cariz biológico-naturalista (o tema do cristalino) ou físico-matemático (a tradição da ciência ‘perspectiva’).</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">À luz da divisão em nove partes dos três livros com suas setenta e uma questões, creio que podemos confirmar a afirmação de Katherine Park, de acordo com a qual “a doutrina sobre a percepção é sobremodo o aspecto mais complicado e pormenorizado das obras do Renascimento dedicadas à alma orgânica”[<span style="color: white;"><b>25</b></span>]. No caso dos Jesuítas portugueses, a verificação é flagrante. Quase cinquenta por cento das questões de Coimbra – 35 questões para sermos exactos – dedicam-se à teoria do conhecimento sensível, quinze questões versam a natureza e a essência da alma e catorze ocupam-se do intelecto. Impõe-se, portanto, esta observação: os nossos autores parecem ter, da psicologia aristotélica, uma visão mais afim à de G.E.R. Lloyd – a <i>psyché</i> é a forma de um corpo vivo em potência[<span style="color: white;"><b>26</b></span>] – do que à da tradição antiga da metafísica da alma. Seja como for, o duplo aditamento editorial do volume consagrado ao <i>De Anima</i>, quer dizer, a existência de um tratado sobre a alma separada, por um lado, e de um segundo tratado sobre os cinco sentidos, por outro, não deixa de antecipar editorialmente os dilemas de uma época filosófica nova dividida entre o que virá a chamar-se a <i>res cogitans</i> e a <i>res extensa</i>. Foi por isso, aliás, que quando estudámos a teoria coimbrã das paixões nas vésperas da antropologia moderna, concluímos que, atendendo ao facto de alma e corpo se estarem prestes a separar radicalmente, parece ser de assinalar que uma eventual revalorização teológico-moral das paixões fundada no tratamento físico das mesmas, já não seria uma estratégia legível para os Homens dos séculos XVII e vindouros. Reconhece-se o choque entre os dois paradigmas. Enquanto um virá defender que as paixões da alma são boas para o corpo, o outro ainda repisava que as paixões do corpo eram boas para a alma[<span style="color: white;"><b>27</b></span>].</span><br />
<span style="font-size: small;">No entanto, é perfeitamente indiscutível a actualização do Comentário lusitano. Todas as características que K. Park e E. Kesler contaram entre os novos estímulos do século XV se encontram também no texto português, a saber: o apreço pelos comentários e comentadores gregos; a simpatia para com as novas traduções; a aceitação de pensamento não-aristotélico e sobretudo platónico ou platonizante; a incorporação de observações biológicas e médicas; a abertura a várias dimensões do Humanismo[<span style="color: white;"><b>28</b></span>].</span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;"><b><span style="color: white;">O poder criativo da imaginação (phantasia/ imaginatrix facultas)</span></b></span><br />
<span style="font-size: small;">Haveria muitas possibilidades de evidenciar a heterodoxia aristotélica coimbrã, quer dizer, a sua inovação perante o difícil texto comentado. Na impossibilidade de sermos exaustivo, abordemos um eventual vinco jesuítico (ou inaciano) que se pode captar no texto do comentário, sobretudo a propósito dessa difícil noção aristotélica de <i>phantasia</i>. Sensíveis próprios, comuns, órgãos dos sentidos, sentido comum, meio de ligação, espécies sensíveis e imaginação são aspectos da teoria do conhecimento aristotélico-tomista que convém dominar. Tenha-se presente, a título exemplificativo de uma inovação, como os autores acompanham Fonseca, v.g., ao reduzirem para dois os sentidos internos, sentido comum e fantasia[<span style="color: white;"><b>29</b></span>] – como se sabe Suárez, mais radical, propenderá para um único sentido interno[<span style="color: white;"><b>30</b></span>] – e também o facto de as páginas, quer sobre alguns sentidos em particular, quer sobre o sentido comum e a actividade dos sentidos, poderem ter suscitado a atenção mais ou menos explícita de Descartes[<span style="color: white;"><b>31</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Ora, ao reapreciarem a <i>phantasia</i> enquanto noção-fronteira[<span style="color: white;"><b>32</b></span>], os Jesuítas teriam de atender, pelo menos, quer ao carácter dualista do órgão (a <i>phantasía</i> pertence à <i>aisthetiké</i> mas também a ultrapassa, no auxílio ao intelecto que pensa e ao intelecto que age[<span style="color: white;"><b>33</b></span>]), quer à tripla função desse órgão. “Tripla função”, pois à <i>phantastiké</i> e à <i>logistiké</i> ou <i>bouleutiké</i>, a <i>phantasía</i> é ainda endossável à esfera construtivo-artística do <i>poein</i>; sublinhe-se que, ultrapassando Platão no que às artes e às metáforas diz respeito, esta última esfera implica sobretudo “o vir-ao aparecimento (<i>phainestai</i>), o vir à luz (<i>phos</i>), o fazer um de muitos”[<span style="color: white;"><b>34</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Neste último ponto, aspecto a frisar é o relativo à crítica da posição averroísta. Ao recusar o intelecto a qualquer ser humano individualmente considerado, o averroísmo definia-o pela faculdade imaginativa (cogitativa), dimensão que muito interessaria ao modelo do <i>homo artificialis</i> do Renascimento, mas que os Jesuítas procuraram refutar. Enquanto Toledo o havia feito à cabeça do seu Comentário do ‘De Anima’ (1575), Manuel de Góis integrou-o na discussão da definição da alma, citando também as passagens paralelas dos concilio de Viena (1311-12) e de Latrão (1512- 17). Lembremos que este último ainda será evocado por Descartes[<span style="color: white;"><b>35</b></span>]. Para ambos os jesuítas tratava-se de seguir uma determinação romana, por duas vezes repetida (1567 e 1572), talvez por causa de Pereira (+1610), o qual, segundo a versão de um escandalizado documento romano, adjectivava Averróis de ‘divino’. Por isso, no <i>Ratio</i> de 1586 se estabelecerá a impossibilidade de estudar Averróis monograficamente (<i>tractatus philosophicus</i>), apenas autorizando a metodologia da <i>quaestio ordinaria</i>, como se fez em Coimbra[<span style="color: white;"><b>36</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Tenhamos no entanto presente que o texto conciliar de Latrão aglutinava duas opiniões distintas, a da mortalidade da alma (de Alexandre e Pomponazzi) e a da sua unicidade (de Averróis, Sigério de Brabante, Paulo Veneto e Alexandre Achillini), e que talvez essa associação fosse uma resposta ao avanço do platonismo. Não é verdade que a <i>Theologia platonica de immortalitate animorum</i> de Ficino acusava precisamente os aristotélicos contemporâneos, e ‘tutti quanti’ que negavam a imortalidade da alma, de serem averroístas e alexandrinos?[<span style="color: white;"><b>37</b></span>]</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Dando mostras de uma sensível actualidade, a conjugação de todos esses “erros” será debatida em Coimbra no quadro da intervenção de Antonio Bernardi, personagem aludido acima. Nos livros 32 e 33 do seu <i>Eversionis Singularis Certaminis</i>, este bispo de Caserta professava a pluralidade dos intelectos, segundo a fé, mas, ao mesmo tempo, agora segundo os fundamentos naturais (<i>ex fundamentis naturae</i>), a sua impossível multiplicação[<span style="color: white;"><b>38</b></span>]. O intelecto seria assim parte precípua, mas não suficiente, da substância humana, confinando-se esta, <i>no que a cada indivíduo diz respeito</i>, ao papel capital da alma sensitiva. Desta maneira, qualquer diversificação ou individualização dos conteúdos do conhecimento assentaria exclusivamente numa informação de diferentes corpos. Também ao discutir sobre a imortalidade Bernardi repete que o Homem detém duas formas substanciais, duas almas realmente distintas (<i>in homine re distinctas</i>)[<span style="color: white;"><b>39</b></span>], embora não distintas no seu suporte (<i>in subiecto</i>), diferença que, de novo, reforça a diversidade dos conteúdos cognitivos, na medida em que só a alma sensitiva detém uma relação substancial com o corpo e com os órgãos corporais. Pomponazzi, que de igual modo havia defendido ser o Homem, nem simplesmente mortal, nem imortal, associara tal defesa ao nosso já conhecido tópico do “nexo” ontológico, “mediumque inter mortalia et immortalia…”[<span style="color: white;"><b>40</b></span>] Já para Bernardi a função da intermediação competiria à imaginação ou <i>phantasia</i> – o que equivale a pôr no mesmo plano ‘pensar’ e ‘pensar nas imagens’[<span style="color: white;"><b>41</b></span>] – mas como, para os Jesuítas, essa função deveria competir ao indivíduo, por inteiro, caber-lhes-á desenvolver tal princípio de combate epocal sem menoscabar a imaginação.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Desde logo porque é a ela que compete servir o intelecto singular[<span style="color: white;"><b>42</b></span>]. Dito de outra maneira, nenhum de nós pode pensar, ou seja, o intelecto possível singular ou individual não pensa sem a contribuição do intelecto activo, mas este requer a presença das imagens impressas na imaginação, discriminando-as, de seguida, graças ao concurso imediato de uma imagem expressa[<span style="color: white;"><b>43</b></span>]; estas imagens sensíveis expressas concorrem ou instrumentalmente ou parcialmente com o intelecto agente, com vista à formação da espécie inteligível, sem cujo contributo, repetimos, o intelecto possível não pensa[<span style="color: white;"><b>44</b></span>]. Voltaremos aqui, mais adiante, a propósito da natureza do pensamento.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Baseados na importância que Inácio de Loyola atribuiu aos sentidos nos célebres <i>Exercícios Espirituais</i>, julgamos poder encontrar um outro papel individualizador na <i>phantasia</i>. O tema mereceu a atenção de R. Barthes e de Marina Massimi. Enquanto o autor francês falou, a propósito, de uma “economia totalitária” que, como um novelista, tudo recupera (o acidental, o fútil, o trivial) ao serviço do discernimento e da fragmentação da imagem[<span style="color: white;"><b>45</b></span>] – daí que, escreve Barthes, “a imagem inaciana não seja uma visão, mas uma vista”, na acepção que a palavra tem quando nos referimos a uma 'vista do Rio' tomada dentro de uma sequência narrativa[<span style="color: white;"><b>46</b></span>] – a professora italiana optou por evidenciar o “uso sistemático da contemplação interior, utilizando os cinco sentidos da imaginação”, embora conferindo papel preponderante ao “aporte visual da imagem gráfica”[<span style="color: white;"><b>47</b></span>]. Pela minha parte acrescentaria o conspícuo papel da visão[<span style="color: white;"><b>48</b></span>], pois, como dissemos já, rapidamente salta à vista do leitor do <i>Comentário ao De Anima</i> a enorme amplitude concedida ao estudo minucioso da visão. Ao dar acolhimento à literatura mais antiga e mais moderna sobre o tema, o estudante passava a gozar de um conhecimento técnico ímpar para a construção ou a composição do lugar, aspecto preparatório crucial no exercício meditativo “à la Proust”.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Convoquemos, pois, o poder criativo da imaginação (<i>Einbildungskraft</i>), precisamente no sentido da transformação de um objecto, interiorizando-o, como que lhe conferindo “uma outra naturezaa partir da matéria que a natureza efectiva lhe dá”[<span style="color: white;"><b>49</b></span>]. Mais do que em atentarmos que a fantasia reside no cérebro, a marca distintiva da imaginação sobressairia frente ao sentido comum: se o papel deste se restringe à configuração de similitudes e os seus sensíveis à quantidade, a faculdade da imaginação – que reúne em si a estimativa, a cogitativa e a memória – é origem de proposições e do discorrer acerca do singular, singular que se actualiza com o conhecimento da coisa (ausente) actualizada pela imaginação[<span style="color: white;"><b>50</b></span>]. Não teríamos outra maneira de justificar este inédito e atrevido paralelo com a terceira Crítica senão chamando a atenção para o modo etimológico (<i>a nominis etymologia</i>) como os Jesuítas de Coimbra são sensíveis à palavra de Aristóteles que remetia <i>phantasia</i> para phos (429 a 3), na versão de Argirópulo, “…quod nomen imaginatio ab ipso lumine sumpsit, phantasiaque dicitur, quia sine lumine visio fieri nequit[<span style="color: white;"><b>51</b></span>]“, quer dizer: “…é pelo facto de o termo ‘imaginação’ ser tomado da própria luz que lhe damos o nome de ‘fantasia’, pois sem a luz é impossível a visão”. Além de se sublinhar a afinidade ou a relação entre a sensação e a imaginação, como seria de esperar, aponta-se também inequivocamente para uma componente que permite a passagem do gnosiológico ao ético, e do conhecer ao pensar, defendendo o seu estado de permanência na mente de quem está a fazer o seu exercício individual de discernimento. O papel relevante da imaginação é assim justificado, pelo facto de a “fantasia tomar o seu nome da visão, que ocupa o lugar principal entre todos os sentidos externos, visto que o recebe da luz”. E os Jesuítas continuam, quiçá fazendo batota: das duas partes da partícula “apó tou pháous kaí tes staseos”, a segunda parte (i.e.: ‘tes staseos’), explicam aos seus jovens alunos, sem deixar de remeter para uma profilaxia das paixões da alma, “indica o que se torna permanente e de certo modo justo (<i>permanens et quidem merito</i>), visto que a imaginação permanece (<i>permanet</i>) quando a função dos sentidos externos cessa.”[<span style="color: white;"><b>52</b></span>] É com cautela que falo em batota, mas não há dúvida que, apesar de ser feita em grego no texto latino do Comentário, a expressão “tes staseos” não se lê no texto de Aristóteles. Passámos, no entanto, da memória sensitiva à memória intelectiva, sendo a propósito desta que os autores de Coimbra farão coincidir o IIIº livro do <i>De Anima</i> de Aristóteles com o Xº do <i>De Trinitate</i> de Agostinho[<span style="color: white;"><b>53</b></span>].</span><br />
<span style="font-size: small;"><b><br /><span style="color: white;">O que significa pensar?</span></b></span><br />
<span style="font-size: small;">Propomo-nos começar por responder à pergunta sobre a natureza do pensamento, regressando ao conhecimento dos singulares e conjugando-o com a questão das “espécies”, termo técnico de então para traduzir o que hoje chamamos prosaicamente “transmissão da informação”.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Tema candente a dividir tomistas e escotistas – desde o século XV que as clivagens escolares se faziam sentir com acutilância – era o respeitante ao conhecimento dos singulares mediante espécies inteligíveis próprias. Já se avaliou a posição dos Jesuítas de Coimbra, a este respeito, como “débil” (“relaxed attitude”)[<span style="color: white;"><b>54</b></span>], na medida em que eles hesitaram entre teses prováveis, não obstante orientarem os seus alunos para a negação da existência de espécies inteligíveis próprias dos singulares[<span style="color: white;"><b>55</b></span>]. Sabemos que Suárez se havia inclinado a favor da existência desse tipo de espécies[<span style="color: white;"><b>56</b></span>], mas, tal como no <i>Comentário à Metafísica</i> de Fonseca (Ic2q3s5), também na <i>Física</i> (Ic1q4a3) Góis explicará que conhecemos as coisas singulares por meio das espécies das naturezas comuns, espécies formadas a partir das imagens sensíveis, de acordo com um processo de inflexão do entendimento, ao socorrer-se de uma potência inferior, a <i>phantasia</i> precisamente. A referida inflexão era descrita como uma linha curva (<i>linea flexa</i>) que se distenderia à medida que o entendimento percebesse o universal, mediante uma conversão a si próprio, afastando-se finalmente dos objectos sensíveis.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Estamos perante um problema fulcral em teoria do conhecimento posto que, como sabemos, desde o IV <i>Quodlibet</i> de Henrique de Gand (1279) que, aceitando-se embora a teoria consagrada da propagação das espécies (Rogério Bacon), se iniciara a simplificação do processo cognitivo, primeiro pela eliminação das espécies inteligíveis, substituídas por uma dada autonomia intelectiva (<i>habitus scientalis</i>[<span style="color: white;"><b>57</b></span>]), depois pela negação das espécies sensíveis (Pedro João Olivi), até que a denotação ockhamista acaba por possibilitar o advento do objecto na sua absoluta apresentação. Como é bem sabido, sustentando um contacto directo e imediato entre o objecto e o órgão dos sentidos, Guilherme de Ockham considerava as “species” redundantes[<span style="color: white;"><b>58</b></span>], um obstáculo para o conhecimento do objecto[<span style="color: white;"><b>59</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">O que os sentidos externos e internos captam é um sensível singular da ínfima espécie. Contudo, no processo de abstracção, verifica-se, da parte dos Jesuítas, um movimento de demarcação do horizonte de actividades do intelecto agente no quadro do pensar[<span style="color: white;"><b>60</b></span>]. Frase chave é a de que “o intelecto agente e as imagens sensíveis estão para as espécies inteligíveis como o intelecto possível e as espécies inteligíveis para o acto de pensar”[<span style="color: white;"><b>61</b></span>]. Quer dizer: sem a intervenção do intelecto possível (<i>patiens</i>) não se pode abstrair a natureza genérica[<span style="color: white;"><b>62</b></span>]. Apresentado como uma faculdade intelectiva que se experimenta a si mesma como pensamento – um lugar-comum desde o século XIII, importa talvez lembrá-lo[<span style="color: white;"><b>63</b></span>] –, o intelecto possível é considerado simultaneamente activo e passivo. É passivo relativamente ao objecto, porque recebe a espécie graças à intervenção do fantasma. É activo, obviamente, do ponto de vista da intelecção[<span style="color: white;"><b>64</b></span>], chegando mesmo os Jesuítas, após evocarem o dissídio entre platónicos e aristotélicos, a admitir um certo inatismo, designadamente em vista de dois hábitos, o dos princípios especulativos e o dos princípios práticos (a sindérese)[<span style="color: white;"><b>65</b></span>]. Esta admissão não parece pôr em causa a tese aristotélica de que a alma nasce desprovida de quaisquer espécies, quer dizer, que o intelecto passivo, sob a perspectiva gnoseológica, é originariamente (<i>ex sua primaeua origini</i>) pura potência. E os nossos autores nem sequer parecem ver como esta última tese pode colidir com uma afirmação anterior acerca de uma inata “sanctitas naturalis a Deo impressa”, sobretudo levando em conta o princípio de uma unidade específica ou radical do intelecto com as suas actividades[<span style="color: white;"><b>66</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Eckhard Kessler considerou ser a respeito do processo de intelecção que os Jesuítas de Coimbra manifestaram uma tese própria, recusando as posições, quer de tomistas, quer de escotistas[<span style="color: white;"><b>67</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Contudo, como em Melanchton, segundo Kessler, e em tantos outros mais, segundo H. J. Müller, a intelecção caracteriza-se por ser geradora do verbo, razão pela qual pensar nada mais é do que uma linguagem interior, tese que reabilita e reequaciona a ‘ideia’ augustinista explicitamente convocada no texto jesuíta. A intelecção dá-se pelo verbo mental, que é uma assimilação ou representação da coisa conhecida mediante a espécie expressa dessa coisa. A essência ou natureza do pensar consiste em informar e em exprimir de maneira inteligível a coisa em si mesma, o que sucede graças à “notitia genita seu per uerbum”. Sendo geradora de um verbo, a intelecção é uma acção, não uma qualidade ou disposição, embora o verbo seja uma qualidade do espírito que conhece[<span style="color: white;"><b>68</b></span>]. Se a assimilação em que o pensamento se traduz põe em relação a potência intelectiva com a coisa pensada (que se identificam no ser, mas são formalmente diferentes), os Jesuítas interpretam Tomás de Aquino no sentido em que o verbo não é apenas aquilo pelo qual singularmente se pensa a coisa expressa por si (<i>id quo</i>), mas também o processo de intelecção ‘terminado’, i.e., intencionalizado ou universalmente objectivado (<i>id quod</i>). Quer dizer, de uma certa maneira antecipam em quatrocentos anos a interpretação dual de Dominik Perler[<span style="color: white;"><b>69</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Não querendo entrar noutro conflito de interpretações[<span style="color: white;"><b>70</b></span>], basta-nos ter presente que nos séculos XV e XVI os pensadores se dividiam nestas matérias de reconhecida produtividade histórica moderna. Discutia-se, por exemplo, a diferença entre o “conceito formal”, que designa o acto de conhecimento, a imagem expressa da coisa[<span style="color: white;"><b>71</b></span>], e o “conceito objectivo”, a própria coisa enquanto conhecida ou concebida pela mente[<span style="color: white;"><b>72</b></span>]. Ora, se nos fosse permitido passar de novo ao Comentário à <i>Physica</i>, de 1593, detectaríamos a forte presença da discussão em torno do “exemplar ou ideia” enquanto conceito objectivo (<i>ratio obiectiva</i>)[<span style="color: white;"><b>73</b></span>], proposta esta que em Coimbra é apresentada no quadro de uma solução pretensamente harmónica entre Tomás de Aquino (<i>De Ver</i>. q.3, a.1) e Agostinho (<i>De Civ. Dei</i> XII c.25). Além do mais, no mesmo Comentário criticar-se-á a quase ignorância de Aristóteles a respeito da causa exemplar ou da teoria das ideias, aspecto considerado decisivo, quer para o estudo da metafísica (<i>ad sapientiae studium</i>), quer para o da ética (<i>ad morum disciplinam</i>)[<span style="color: white;"><b>74</b></span>]. Impossível também não reparar no elogio que os nossos Jesuítas fazem, perante os seus alunos, dos “platónicos, aqueles de entre todos os antigos filósofos que mais exaltaram as ideias, considerando-as como realidades independentes da relação com a matéria e da singularidade material”[<span style="color: white;"><b>75</b></span>]. A noção de “exemplar” enquanto “conceito objectivo” é, por fim, explicada em três pontos: (i) aquilo (<i>id quod</i>) que um especialista intui e exprime mediante imitação (<i>intueatur et imitando exprimat</i>); (ii) a expressão da coisa, quer no seu conteúdo exemplar imitável, quer no conceptual que a representa (<i>exprimere rem, uel quatenus est quid exemplariter imitabile, uel ratione conceptus, in quo repraesentatur</i>); (iii) a ideia, que em Deus se encontra de forma eminente e, no Homem, como imitação[<span style="color: white;"><b>76</b></span>]. Sem se darem conta dos problemas e das dificuldades ou embaraços desta imbricação – e ela não será menos patente no emprego de certa terminologia noética simultaneamente tomista e augustinista –, é sobretudo o motivo da representação que sobressai. Não será, por isso, obra do acaso serem, nada mais, nada menos, do que cem as ocorrências de <i>repraesentare</i> só no <i>De Anima</i> III do jesuíta conimbricense, mas o esclarecimento da natureza do pensar ficaria incompleto sem abordarmos a temática do conhecimento de si – hoje talvez se preferisse dizer: o ‘sentimento de si’[<span style="color: white;"><b>77</b></span>].</span><br />
<span style="font-size: small;"><b><br /><span style="color: white;">O conhecimento de si</span></b><span style="color: white;"><br /></span>Tem-se dito que o afastamento da doutrina das <i>species</i>, ou representação directa, permitindo a identificação do verbo mental com o acto cognitivo[<span style="color: white;"><b>78</b></span>], ao retirar Deus da noética – veja-se a denotação ockhamista –, significaria a definitiva entrada de condições para que o objecto aparecesse enquanto tal[<span style="color: white;"><b>79</b></span>]. Faltava dizer-se que a presentificação do objecto como forma expressa concitanos para o espaço do sujeito antes do sujeito (leia-se: cartesiano). Digamos, então, que, se é difícil depararmo-nos com o <i>cogito</i> no texto de Góis – seja na sua quota-parte epistémica, seja na, chamemos-lhe, quota-parte existencial –, mais fácil será encontrarmos o seu antecessor, o <i>suppositum intelligens</i>, que ainda não concitou a devida ponderação.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Começaremos por abordá-lo interrogando o modo como a natureza da alma humana pode chegar ao conhecimento da sua própria essência. Disse bem – ‘alma humana’ – pois, diferentemente de certa tradição latina que interrogava sobretudo nos termos do intelecto possível[<span style="color: white;"><b>80</b></span>], em Coimbra, a pergunta é explicitamente: “se a alma humana, pela sua própria essência, se pensa a si mesma (<i>utrum anima humana se per suam essentiam intelligat</i>)[<span style="color: white;"><b>81</b></span>]. Como sabemos, Aristóteles não tinha sido claro a este respeito e, a seguirmos ou I. Bywater ou D. Ross, o Estagirita nem sequer teria dito que o intelecto se pensa a si próprio (<i>dè autòn</i>), mas antes “por si mesmo” (<i>di autou</i>)[<span style="color: white;"><b>82</b></span>]. Seja como for, a tradução de Argirópulo usada em Coimbra segue a lição de Moerbeke – <i>se ipsum</i>[<span style="color: white;"><b>83</b></span>] – e os Jesuítas não podiam deixar de se inscrever nesta longa herança da psicologia do conhecimento de si e da auto-representação. Esta, convém frisar, não pode ter uma relação directa com o ‘eu’ individual moderno, porque na esteira grega, qualquer ciência, e por isso também a psicologia, só o é na medida em que o seu objecto é universal. Sendo aristotelicamente irrelevante qualquer relação com a existência do meu eu, já se lançou a hipótese de os textos precursores de Descartes se lerem não no <i>De Anima</i>, mas nos comentários às <i>Sentenças</i> e nos textos teológicos de Agostinho[<span style="color: white;"><b>84</b></span>]. Mostraremos que esta interpretação merece ser revista, em parte.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Confrontemos rapidamente a leitura coimbrã de Aristóteles com a de São Tomás. Enquanto está no corpo, a alma sabe que pensa mediante actos reflexos sobre a sua própria actividade. Fá-lo-á, segundo os Jesuítas, nos quatro momentos seguintes: M1: concebe aquilo cuja espécie foi extraída dos sentidos (ex: a natureza humana); M2: reflecte sobre o seu acto, percebendo-o; M3: compreende que tem uma imagem espiritual de uma coisa corpórea; M4: acaba por perceber-se como uma dada substância imaterial participante da razão e da inteligência. É forçoso atentar-se em que, se a experiência auto-reflexiva (<i>experitur se intelligere</i>) pode ser equivalente “ao próprio inteligir do intelecto” (<i>ipsum eius intelligere</i>) da questão 87 da <i>Suma de Teologia</i>, neste último texto, diferentemente do de Coimbra, não se avança para M4[<span style="color: white;"><b>85</b></span>]. Relembro: o momento em que o intelecto se percebe como uma dada substância imaterial (<i>immateriali subiecto</i>) participante da Razão e da Inteligência (agora atrevemo-nos a usar as maiúsculas).</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Esta forma de o <i>cogito</i> se nomear nada tem da instauração cartesiana, posto que exige constantemente um regresso ou uma imersão mundana – no corpo não-glorioso a alma carece sempre dos fantasmas – no que Coimbra supõe ser uma herança aristotélica[<span style="color: white;"><b>86</b></span>], mas que é afinal uma releitura mais das lições de Tomás de Aquino condicionadas por Agostinho[<span style="color: white;"><b>87</b></span>]. Mais ainda: tal releitura aparece marcada pela estrutura hierárquica do mundo e do lugar do Homem nesse mundo. Recapitulemos que a imersão de que se fala é um regresso à física, ao complexo da definição aristotélica da alma de que tantas páginas coimbrãs se ocuparam, mas sem deixar de ser, também, o motivo renascentista da forma substancial concitado pelo <i>Fédon</i>, pelo <i>De Anima</i> e até pelo <i>Asclépio</i>.</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Quando pela primeira vez propus esta interpretação Claude Panaccio interpelou-me, lembrando-me que nada de novo havia aqui se comparado com a proposta aquinatense. Julgo que a minha resposta de Agosto o satisfez. Invocando uma palavra de Michel Foucault sobre o comentário – “Só há comentário quando, sob a linguagem que se lê e decifra, corre a sabedoria de um texto primitivo”[<span style="color: white;"><b>88</b></span>] – pude chamar a atenção para o facto, a meu ver nada despiciendo, de em Coimbra ser o próprio texto “primitivo” de Aristóteles a acolher o <i>cogito</i> augustinista!</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Mas há que fazer algumas ressalvas, em todo o caso. Se é verdade que a alma que pensa se identifica realmente com a memória intelectiva, conforme se lia no primeiro título coimbrão dos <i>Parva Naturalia</i>[<span style="color: white;"><b>89</b></span>], para que nos encontrássemos indubitavelmente com o <i>cogito</i> existencial augustinista só restaria agregar àquelas duas faculdades a da vontade e, v.g., descortinarmos algum eco daquela moderna palavra de Olivi segundo a qual “experimentaliter et indubitante” a alma se sente a viver, a ser, a ver, a ouvir, etc.[<span style="color: white;"><b>90</b></span>]. Quem é que hoje ao lê-la não pensa no <i>cogito</i> existencial fragilizado da terceira <i>Meditação</i>? Só assim estaria definido o ternário psicológico do Bispo de Hipona – memória, inteligência e vontade – faculdades que, em qualquer caso, os Jesuítas asseveram pertencer à mesma substância da alma[<span style="color: white;"><b>91</b></span>]. É curioso que em diálogo crítico com o horizonte nominalista que interpretava 413b 12 recorrendo ao princípio augustinista de que a alma é as suas faculdades (intelecto, memória e vontade) – não três vidas, nem três mentes, mas uma só que, enquanto vegetal, é alma, enquanto contempla, é espírito, enquanto sente, é sentido, sendo alma por saborear, e mente ao pensar, e razão ao discernir, e memória ao recordar, e vontade ao querer – é curioso, dizia eu, que os Jesuítas de Coimbra tenham reivindicado a autoridade de Agostinho sobre a identidade de todos os graus essenciais da alma numa só essência[<span style="color: white;"><b>92</b></span>]. Melhor ainda: aproveitando o ensejo de explicarem esta segunda definição aristotélica da alma, dita existencial – à primeira, a que se lê em 412 a 20, chamam-lhe “essencial” – os autores farão ressaltar o modo inteligente (<i>artificiose</i>) como Aristóteles soube coordenar o método da física (dos efeitos para as causas) com o da metafísica (das causas para os efeitos)[<span style="color: white;"><b>93</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Sobressaindo, à maneira tomista da separação da matéria, de entre as três faculdades, a inteligência, um apêndice editorial sobre o estado da alma separada faz coincidir esse estado com “um conhecimento distinto”[<span style="color: white;"><b>94</b></span>], um conhecimento certo ou distinto (<i>cognitio certa atque evidens</i>[<span style="color: white;"><b>95</b></span>]), admitindo-se mesmo “poder-se conhecer com evidência” o reino da possibilidade em Deus[<span style="color: white;"><b>96</b></span>]. Eis-nos perante uma expressão textual e editorial de uma reformulação já moderna do <i>cogito</i> de Agostinho nos finais do século XVI – uma alma (<i>anima/mens</i>) que se pensa a si própria (<i>per se ipsam intelligat/per se ipsam nosse</i>), capaz de estender o conhecimento distinto (<i>distincte</i>) às realidades ontologicamente afins[<span style="color: white;"><b>97</b></span>].</span><br />
<br />
<span style="font-size: small;">Mas, passando por alto esta relação com o<i> cogito</i> epistémico, o que se nos depara, em desfecho, é uma outra tese, que me atreveria a considerar dos nossos dias, qual a de se retirar à psicologia o direito de esgotar a problemática do conhecimento de si. Adiantarei que agora uso o termo ‘psicologia’ na sua semântica mais contemporânea. Recordemos que esta grave questão “do exame ou da indagação da <i>dignidade</i> e da <i>natureza</i> da alma” chama a si simultaneamente um “nexo ontológico e cósmico”; uma capacidade de criar, entendida como um vir-ao-aparecimento (<i>phainestai</i>), um vir à luz (<i>phos</i>); e ainda a descoberta da “lei” que, “difundindo-se por todo o cosmo criado”, permite ao intelecto perceber-se como “uma dada substância imaterial participante da Razão e da Inteligência”. Em conformidade, sem deixar de sintonizar com o advento de uma certa modernidade, a última palavra dos Jesuítas de Coimbra deve antes aferir-se enquanto reclame, certamente imperfeito e frágil, de que a venerável linhagem do “conhece-te a ti mesmo”, a antropologia do radical conhecimento de si, só faz sentido na medida do acolhimento de uma cosmologia (marcada pelo desígnio criacionista), da ética (que nos torna dignos de uma vida feliz) e da teologia (que nos põe em relação com Deus e com a Verdade).</span><br />
<span style="font-size: small;"><b><br /><span style="color: white;">Epílogo</span></b></span><br />
<span style="font-size: small;">Se a interpretação que acabo de vos propor tiver algum peso, então, e recorrendo de novo a Farias Brito e ao seu precioso motivo da filosofia como tarefa infinita, teria de concluir que muito do que sobre o Curso Jesuíta Conimbricense se tem dito, numa floresta de tantos apaixonados preconceitos, deve acolher-se permanentemente debaixo da palavra tão sensata do vosso ilustre compatriota, que aqui gostosamente evoco, para terminar a honra que me destes: “É como se alguém subisse a uma montanha para daí lançar uma vista sobre o mundo. Ao chegar no ponto culminante, teria de verificar que tudo está por fazer…”[<span style="color: white;"><b>98</b></span>]</span><br />
<span style="font-size: small;"><br /></span>
<span style="font-size: small;"><b><span style="color: white;">Notas</span></b></span><br />
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">1</span></b>] L. A. Cerqueira, <i>Filosofia Brasileira: Ontogênese da consciência de si</i>, Petrópolis, 2002, p. 217.</span><br />
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">2</span></b>] Cf. <i>Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu, In tres libros de Anima Aristotelis Stagiritae</i> (Coimbra: António de Mariz, 1598). Todas as citações são feitas a partir desta edição e seguem a tradução de Maria da Conceição Camps (no prelo). Para uma introdução ao Curso, vd. A. M. Martins, “The Conimbricenses”, in Mª C. Pacheco e J. F. Meirinho (eds.), <i>Intellect et imagination dans la Philosophie Médiévale / Intellect and Imagination in Medieval Philosophy / Intelecto e Imaginação na Filosofia Medieval</i>. Actes du XIe Congrès International de Philosophie Médiévale de la S.I.E.P.M. (Porto, du 26 au 31 août 2002), Turnhout 2006, vol. 1, pp. 101-117; e também o meu “Introdução à leitura do Comentário dos Jesuítas de Coimbra ao ‘De Anima’ de Aristóteles (mediante o estudo do tema monopsiquista)” in J.L.B. da Luz (org.), <i>Caminhos do Pensamento. Estudos em Homenagem ao Professor José Enes</i>, Lisboa, 2006, pp. 507-532. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">3</span></b>] Cf. P. Calafate, “A crítica do Positivismo em Farias Brito e Cunha Seixas”, in Id., <i>Metamorfoses da palavra. Estudos sobre o pensamento português e brasileiro</i>, Lisboa, 1998, p. 357. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">4</span></b>] L. A. Cerqueira, <i>Filosofia Brasileira</i>…, p. 210, p. 236, respectivamente. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">5</span></b>] Cf. P. J. J. M. Bakker, “Natural Philosophy, Metaphysics, or Something in Between? Agostino Nifo, Pietro Pomponazzi, and Marcantonio Genua on the Nature and Place of the Science of the Soul”, in P. J. J. M. Bakker & J. M.M.H. Thijssen (ed.), <i>Mind, Cognition and Representation. The Tradition of Commentaries on Aristotle’s De Anima</i>, Aldershot – Burlington, 2007, p. 173. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">6</span></b>] Parece que o termo “psicologia” ocorre a primeira vez em 1575, na obra de Johannes Thomas Freigius, <i>Catalogus locorum communium</i>, mas só no século XVIII, com a obra intitulada <i>Psychologia empirica</i>, de Ch. Wolff (1732), ele se tornará corrente; vd. P. J. J. M. Bakker, “Natural Philosophy…”, p. 177. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">7</span></b>] A. Damásio, <i>O Sentimento de Si. O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência</i>. Trad., Lisboa, 2000, pp. 358-59. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">8</span></b>] A. A. de Andrade, “Introdução”, in <i>Curso Conimbricense I. Pe. Manuel de Góis: Moral a Nicómaco, de Aristóteles</i>. Introdução, estabelecimento do texto e tradução de A. A. de Andrade, Lisboa, 1957, pp. XVI-XVII. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">9</span></b>] Cf. E. Chitas & H.A. Resende, <i>Filosofia. História. Conhecimento. Homenagem a Vasco de Magalhães-Vilhena</i>, Lisboa, 1990, p. 335. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">10</span></b>] E. Garin, <i>L’umanesimo italiano. Filosofia e vita civile nel Rinascimento</i>, Roma/ Bari, 2004, p. 159. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">11</span></b>] Simplicius, <i>On Aristotle On the Soul</i> 1, 1-2,4 (trad. J.O. Urmson, London 1995, p. 17); cf. Simplicius, <i>In libros Aristotelis De Anima commentaria</i>, ed. M. Hayduck, Berlin, 1882, p. 3. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">12</span></b>] Cf. P. J. J. M. Bakker, “Natural Philosophy…”, pp. 151-177. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">13</span></b>] Cf. M. S. de Carvalho, in <i>São Tomás de Aquino.</i> <i>A Unidade do Intelecto Contra os Averroístas</i>, Lisboa, 1999. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">14</span></b>] <i>In III De Anima</i>… II c.1, q.1, a.6, p. 41. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">15</span></b>] Cf. M. Forlivesi (a cura di), <i>Antonio Bernardi della Mirandola (1502-1565). Un aristotelico umanista alla corte dei Farnese</i>, Firenze, 2009. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">16</span></b>] Cf. <i>In libros Ethicorum</i>… d. 3, q. 4, a. 2 (ed. A. A. de Andrade, Lisboa, 1957). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">17</span></b>] <i>In VIII libros Physicorum</i>… Prooemium, q. 5, a. 1 (ed. Lugdunii, 1594). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">18</span></b>] <i>In VIII libros Physicorum</i>… Prooemium, q. 5, a. 1. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">19</span></b>] Cf. P. Griffiths, <i>História Concisa da Música Ocidental</i>. Trad., Lisboa, 2007, 112-13; cf. M. S. de Carvalho, “Filosofar na época de Palestrina. Uma introdução à psicologia filosófica dos ‘Comentários a Aristóteles’ do Colégio das Artes de Coimbra” <b>Revista Filosófica de Coimbra</b> 11 (2002), pp. 389-419. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">20</span></b>] G.W.F. Hegel, <i>Vorlesungen ueber die Geschchte des Philosophie</i> II, Frankfurt am Main, 1971, pp. 133-34. Registe-se, embora a respeito de outro volume, uma nota do insuspeito Luís António Verney, que na sua <i>Metaphysica</i> regista como num dado passo do <i>Comentário à Lógica</i>, os Jesuítas Conimbricenses «não moveram um pedra para defenderem Aristóteles» (vd. L. A. Verney, <i>Metafísica</i>. Introd. e trad. de A. Coxito, Coimbra, 2008, p. 242, nota 125). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">21</span></b>] A. Simmons, “Jesuit Aristotelian Education: The ‘De Anima’ Commentaries” in J. W. O’Malley et al. (ed.), <i>The Jesuits. Cultures, Sciences, and the Arts 1540-1773</i>, Toronto/Buffalo/London, 1999, p. 526. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">22</span></b>] Cf. M. S. de Carvalho, “Filosofar na época de Palestrina…”, pp. 389-419; vd. também Id., “Aos ombros de Aristóteles (Sobre o não-aristotelismo do primeiro curso aristotélico dos Jesuítas de Coimbra)”, <b>Revista Filosófica de Coimbra</b> 16 (2007), pp. 291-308. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">23</span></b>] <i>Monumenta Paedagogica Societatis Iesu</i>. II: 1557-1572, ed. L. Lukács, Romae, 1974, p. 256: “In primo libro de anima, nihil est diligendi studio explicandum praeter prooemium; secundus vero liber et tertius exacte sunt praelegendi.” De referir a posição de Jerónimo Torres (1532-1611) no plano do curso dado em Roma no ano lectivo de 1561-62, <i>ibid</i>. 456: “Primi libri prohemium explicandum videtur. Veterum opiniones non omnino praetermittendae videntur, nam in illis confutandis Aristotelis opinio circa multa innotescit, sed perstringendae. Secundus et tertius liber accurate explicandi.” Assim também se explica por que um manuscrito coimbrão de um comentário incompleto ao <i>De Anima</i> (# 2399), apressadamente atribuído a Pedro da Fonseca, com data de 1559-60, dê menor importância ao livro I: <i>In Primum Aristotelis de Anima, Scholia</i>, Ms. 2399, fol. 9v: “Deinceps toto reliquo hoc libro veterum philosophorum opiniones de anima prosequi.” (este Comentário termina porém no Livro II (fol. 82r) e é seguido por um Comentário à Metafísica (83r – 103r) também incompleto, e interpolado (92r – 94r) por um título “De Missa”, de outra mão). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">24</span></b>] Cf. M. S. de Carvalho & F. Medeiros, “Em torno do paradigma da visão no século XVI: luz, visão e cores no Comentário Jesuíta Conimbricense (‘De Anima’ II 7)” <b>Revista Filosófica de Coimbra</b> (no prelo). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">25</span></b>] C. Park, “Organic Soul” in C.B. Schmitt et al. (ed.), <i>The Cambridge History of Renaissance Philosophy</i>, Cambridge, 1988, 470; cf. o meu “Filosofar na época de Palestrina…”, pp. 389-419.</span><br />
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">26</span></b>] G. E. R. Lloyd, “Aspects of the relationship Between Aristotle’s Psychology and His Zoology” in <i>Essays on Aristotle’s De Anima</i>, ed. M.C. Nussbaum & A. Oksenberg-Rorty, Oxford, 1992, pp. 147-167. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">27</span></b>] Cf. M. S. de Carvalho, “Des passions vertueuses? Sur la réception de la doctrine thomiste des passions à la veille de l’anthropologie moderne” in J. F. Meirinhos (ed.), <i>Itinéraires de la Raison. Études de philosophie médiévale offertes à Maria Cândida Pacheco</i>, Louvain-la-Neuve, 2005, pp. 379-403 ; Id., “Psicofisiologia ou teologia das paixões”, in <i>X Congreso Latino-Americano de Filosofia Medieval : De las pasiones en la filosofía medieval</i> (Santiago de Chile, 19-22 Abril 2005; no prelo).</span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">28</span></b>] Cf. K. Park & E. Kessler, “The Concept of Psychology”, in C.B. Schmitt et al. (ed.), <i>The Cambridge History of Renaissance Philosophy</i>, pp. 455-463. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">29</span></b>]Cf. <i>In III De Anima</i> … II 3, q.1, a1, p.305. <i>In III De Anima</i> … II, c.3, p. 310. São, vulgarmente, cinco os sentidos internos: sentido comum e imaginação (localizados no ventrículo cerebral anterior), fantasia e estimativa (no ventrículo médio) e memória (no posterior), cf. K. Park, “The Organic Soul”, pp. 470-71, pp. 480-81, p. 466 e p. 474; vd. também J. Madeira, <i>Pedro da Fonseca’s ‘Isagoge Philosophica’ and the Predicables from Boethius to the ‘Lovanienses’. </i>A thesis presented in fulfillment of the requirements for the degree of doctor in Philosophy. Katholieke Universiteit Leuven (pro manuscripto), November 2006. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">30</span></b>] F. Suárez, <i>Commentaria una cum quaestionibus in libros De Anima. Comentários a los libros de Aristóteles Sobre el alma,</i> d.8, q.1, n.21, (ed. S. Castellote, Madrid, 1991, III, p. 40). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">31</span></b>] Cf. E. Gilson, <i>Index Scolastico-cartésien</i>, Paris, 1913, pp. 266-68 e passim; A. Simmons, “The Sensory Act: Descartes and the Jesuits on the Efficient Cause of Sensation”, in S.F. Brown (ed.), <i>Meeting of the Minds.The Relations between Medieval and Classical Modern European Philosophy</i>, Turnhout, 1998, pp. 63-76. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">32</span></b>] Cf. J. Frère, “Fonction représentative et représentation. ‘Phantasía’ et ‘phántasma’ selon Aristote” in <i>Corps et Ame. Sur le De Anima d’Aristote</i>, études réunies par C. Viano, Paris, 1996, p. 347: “Aristote part du niveau le plus frustre, celui que l’on rencontre chez l’animal, chez le rêveur, chez le fou: ici la phantasía renvoie à la sensation en son double versant physiologique et psychologique. Puis Aristote se dégage de cette entreprise du corps sur la phantasía, d’abord avec ce faire neuf qu’est l’activité du savant ou celle de l’orateur, mais ensuite, de façon toute nouvelle par rapport à Platon, avec l’analyse de la phantasía dans le domaine de l’art”. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">33</span></b>] J. Frère, “Fonction...”, p. 341. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">34</span></b>] J. Frère, “Fonction...”, p. 346. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">35</span></b>] Cf. R.Descartes, <i>Meditationes de Prima Philosophia</i>. Epistola (AT VII 2-3); Id., <i>Méditations</i> (AT IX 5). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">36</span></b>] Vd. M. S. de Carvalho, “La critique d’Averroès dans les <i>Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In tres libros de Anima</i>” (Génève; no prelo); cf. <i>Monumenta Paedagogica Societatis Iesu</i>. III: 1557-1572, ed. L. Lukács, Romae, 1974, p. 383. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">37</span></b>] Cf. M. Ficino, <i>Opera omnia</i>, Basel, 1576; rep. Torino, 1962, 1, p. 872. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">38</span></b>] A. Bernardus, <i>Eversionis singularis certaminis libri XL</i>, Basileae 1562, XXXII, s. 1, p. 546; cf. <i>In III de Anima</i>… II, c. 1, q.6, a.2, p. 76. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">39</span></b>] Cf. A. Bernardus, <i>Eversionis</i>… XXXIII, s.2, p. 566. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">40</span></b>] P. Pomponazzi, <i>De immortalitate animae</i> c.1, 41rb (ed. P. Pomponazzi, <i>Tractatus acutissimi, utillimi et mere peripatetici</i>, Venetiis, 1525; rep. Casarano, 1995) ; sobre o tema, em geral, vd. L. Casini, “The Renaissance Debate on the Immortality of the Soul. Pietro Pomponazzi and the Plurality of Substantial Forms”, in P. J. J. M. Bakker & J. M. M. H. Thijssen (ed.), <i>Mind, Cognition</i>…, pp. 127-150. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">41</span></b>] Cf. E. Coccia, <i>La transparenza delle immagini. Averroè e l’averroismo</i>, Milano, 2005, p. 144.</span><br />
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">42</span></b>] <i>In III De Anima</i> … III c. 5, q. 6, a. 1, p. 355. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">43</span></b>] <i>In III De Anima</i> … III c. 5, q. 6, a. 1, p. 355. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">44</span></b>] Cf. <i>In III De Anima</i> … III c. 5, q. 6, a. 2, p. 359. São as seguintes as 3 características das espécies inteligíveis (<i>In III De Anima</i> … III c. 5, q. 3, a 2, p. 334): i) imagens ou representações das coisas que podem ser pensadas; ii) princípios constituintes da intelecção conjuntamente com o intelecto; iii) inerentes ao intelecto após as retirar da natureza do acidente. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">45</span></b>]R. Barthes, <i>Sade</i>, Fourier, Loyola, trad., Madrid, 1997, pp. 63-71. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">46</span></b>]R. Barthes, Sade..., p. 70. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">47</span></b>] M. Massimi, <i>Palavras, almas e corpos no Brasil colonial</i>, São Paulo, 2005, p. 106, p. 116, respectivamente. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">48</span></b>] <i>In III De Anima</i> … II c.7, expl. p. 162; <i>ibid</i>. q.6, a.1, p. 183. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">49</span></b>] I. Kant, <i>Crítica da Faculdade do Juízo</i> § 49. Introd., trad. e notas de A. Marques e V. Rohden, Lisboa, 1992, p. 219. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">50</span></b>] <i>In III De Anima</i> … III c. 3, q.2, a.2, pp. 311-12: não se distinguindo da ‘vis cogitativa’, compõe, divide e constrói silogismos com termos singulares, não por influência da parte sensitiva, mas por participar da intelectiva. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">51</span></b>] <i>In III de Anima</i>… III c. 3, textus 162, p. 198. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">52</span></b>] <i>In III de Anima</i>… III c.3, explanatio r, p. 198. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">53</span></b>] <i>In Parva Naturalia</i>: <i>De memoria</i> c.1, p.3 (ed. Olisipone 1593): “Intellectivam tradidit Aristoteles 3º <i>De Anima</i> cap. 4, text. 6, cum docuit animam esse locum specierum, non totam sed intellectum; de qua etiam interpretandus est D. Augustinus libro 10º <i>De Trinitate</i> cap. 11 cum ait memoriam, intelligentiam et voluntatem unam esse mentem, hoc est in unam eademque mente inharere.” </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">54</span></b>] L. Spruit, <i>Species Intelligibilis: From Perception to Knowledge. II: Renaissance Controversies, Later Scholasticism, and the Elimination of the Intelligible Species in Modern Philosophy</i>, Leiden New York Köln 1995, p. 291; cf. também E. Kessler, “Intellective Soul”, p. 513; cf. <i>In III De Anima</i> … III c. 5, q. 4, a. 1, p. 337. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">55</span></b>] Cf. <i>In III De Anima</i> … III c. 5, q. 5, a. 3, p. 345. Cf. A. Coxito, “O Problema dos Universais no Curso Filosófico Conimbricense” Separata da <b>Revista dos Estudos Gerais Universitários de Moçambique</b>, vol. III, série V, Lourenço Marques 1966; A.A. B. de Andrade, “Teses fundamentais da Psicologia dos Conimbricenses” in Id., <i>Contributos para a História da Mentalidade Pedagógica Portuguesa</i>, Lisboa, 1982, pp. 99-141. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">56</span></b>] F. Suárez, <i>Commentaria</i> d.9, q.3, n.3, (III 108) ; cf. também T. Aho, “Suárez on Cognitive Intentions”, in P. J. J.M. Bakker & J. M.M.H. Thijssen (ed.), <i>Mind, Cognition</i>…, p. 195. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">57</span></b>] Cf. Henrique de Gand, <i>Quodlibet </i>V, q. 14 (ed. Badius, fol. 174 rV); cf. M. S. de Carvalho, <i>A Novidade do Mundo: Henrique de Gand e a Metafísica da Temporalidade no Século XIII.</i> Lisboa, 2001, pp. 215-217. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">58</span></b>] G. de Ockham, <i>In Sent</i>. I, Prologus, q. 1, n. 15-3; I, 25-28, 3, n. 4-24; I, 31-32; dist. 3, q. 6, n. 4- 13, II, 492. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">59</span></b>] G. de Ockham, <i>In Sent</i>. Adnotationes I, dist. 3, q. 14T: "Nec debet species poni propter repraesentationem. Repraesentatum debet esse prius cognitum, aliter repraesentans numquam duceret in cognitionem repraesentati, tamquam in simile. Statua enim Herculis numquam decuret me in cognitionem Herculis, nisi prius vidissem Herculem; nec etiam scire possem utrum statua sit sibi similis aut non. Secundum autem ponentes speciem, species est aliquid praevium omni actui intelligendi obiectum; ergo non potest poni propter repraesentationem obiecti". </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">60</span></b>] A demarcação referida acima não deixa de ser desprovida de significado, sabendo-se que o conhecimento de si também (embora minoritariamente) podia ser definido a partir do quadro do</span><br />
<span style="font-size: small;">intelecto agente: cf. D. Calma, “La connaissance réfléxive de l’intellect agent. Le ‘premier averroïsme’ et Dietrich de Freiberg”, in J. Biard et al. (ed.), <i>Recherches sur Dietrich de Freiberg</i>, Turnhout 2009, pp. 63-105 ; sobre o papel do intelecto agente no Comentário de Coimbra, vd. o nosso “A doutrina do intelecto agente no Comentário ao ‘De Anima’ do Colégio Jesuíta de Coimbra” in J. Fernando Sellés (ed.), <i>El Intelecto Agente en la Escolástica Renacentista</i>, Pamplona 2006, pp. 155-183. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">61</span></b>] <i>In III De Anima</i> … III c. 5, q. 6, a. 2, p. 359. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">62</span></b>] <i>In III De Anima</i> … III c. 5, q. 5, a. 2, p. 349; cf. também P. da Fonseca, <i>Commentariorum</i>…V, c. 28, q. 8, sec. 4, c. 1030. Cf. A. A. Coxito, “O problema dos universais…”, pp. 52-60. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">63</span></b>] <i>In III De Anima</i> … III c. 8, q. 1, a. 1, p. 367: “…facultas intelligendi quilibet autem experitur se intelligere”. Sobre as origens deste tópico, vd. F.-X. Putallaz, <i>La conaissance de soi au XIIIe siècle</i>, Paris, 1991; Id., <i>Le sens de la réfléxion chez Thomas d’Aquin</i>, Paris 1991; Id., “La connaissance de soi au Moyen Age” <i>Archives d’Histoire Doctrinale et Littéraire du Moyen-Age</i> 59 (1992), pp. 89-157. Textos em português: <i>Tomás de Aquino.</i> <i>Suma de Teologia</i>. Primeira Parte: Questões 84-89. Tradução e introdução de Carlos Arthur R. do Nascimento, Uberlândia, 2004. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">64</span></b>] Cf. <i>In III De Anima</i> … III c. 8, q. 1, a. 1, p. 367-68. A mesma dupla função terão os sentidos, assunto acerca do qual as relações com Descartes dão que pensar, vd. A. Simmons, “The Sensory Act” <i>passim</i>. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">65</span></b>] <i>In III De Anima</i> … III c. 8, q. 1, a. 2, p. 369. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">66</span></b>] <i>In III De Anima</i> … III c.5, q. 2, a. 2, p. 373. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">67</span></b>] E. Kessler, “The Intellective Soul”, p. 514. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">68</span></b>] In III De Anima … III, c. 8, q. 3, a. 3, p. 381; cf. H. J. Müller, <i>Die Lehre vom Verbum Mentis</i></span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;"><i>in der spanischen Scholastik. Untersuchungen zur historischen Entwicklung und Verständnis dieser Lehre bei Toletus, den Conimbricensern und Suarez</i>. Inaugural-Dissertation zur Erlangung des Doktor grades der Philosophischen Fakultät der Westfälischen Wilhelms-Universität zu Münster (pro manuscripto), Münster, 1968, 146, pp. 252-53. Corrijimos acima a afirmação que se lê incorrectamente no nosso artigo “Intellect et Imagination: la ‘scientia de anima’ selon les ‘Commentaires du Collège des Jésuites de Coimbra’” in Mª. C. Pacheco et J. F. Meirinhos (ed.), <i>Intellect et imagination dans la Philosophie Médiévale / Intellect and Imagination in Medieval Philosophy / Intelecto e Imaginação na Filosofia Medieval</i>. Actes du XIe Congrès International de Philosophie Médiévale de la S.I.E.P.M., Turnhout, 2006, vol. 1, p. 153, n. 129. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">69</span></b>] Cf. D. Perler, <i>Theorien der Intentionalität im Mittelalter</i>, Frankfurt am Main, 2002, que distingue na species (com base <i>In</i> <i>Sent</i>. II, 17, 2, 1 ad 3) a dimensão singular (hoje diríamos neurológica) – <i>id quo</i> – e a dimensão universal da semelhança com X – <i>id quod intelligitur</i>; para a interpretação tradicional, vd., entre outros, L. Spruit, <i>Species</i>…, <i>passim</i> (L. Spruit vê-a como um <i>quo intelligitur</i>, a partir da <i>Su. Theol</i> I, 85, 2). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">70</span></b>] Cf. J. Schmutz, “Un Dieu indifférent. La crise de la science divine durant la Scolastique moderne”, in O. Boulnois et al. (ed.), <i>Le Contemplateur et les idées. Modèles de la science divine, du Néoplatonisme eu XVIIIe siècle</i>, Paris, 2002, pp. 204-18. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">71</span></b>] <i>In octo libros Physicorum</i>… II c.7, q.3, a.2, p. 246: “Imago expressa rei artefactae”. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">72</span></b>] <i>In octo libros Physicorum</i>… II c.7, q.3, a.2, p. 246: “res ipsa artefacta quam mente concipit” </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">73</span></b>] Cf. <i>In octo libros Physicorum</i>… II c.7, q.3, a.2, p. 247; também: <i>ibid</i>. II c.7, q.3, a.1, p. 245: “Forma a qua este a, a qua effectus, ut ab agendi principio egreditur. Forma ex qua est illa, e qua res constat. Vtriusque exemplum est animus hominis, a quo intelligendi actio manat et quo simul cum materia homo componitur. Forma vero ad quam est, ad cuius similitudinem aliquid fit.” </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">74</span></b>] Cf. <i>In octo libros Physicorum</i>… II c.7, q.3, a.1, p. 245. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">75</span></b>] Cf. <i>In octo libros Physicorum</i>… II c.7, q.3, a.2, p. 247: “Platonici, qui ex omnibus antiquitatis Philosophis maxime ideas celebrantur, appellabant eas, res ipsas a materiae commercio, et singularium concretione abiunctas.” </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">76</span></b>] Cf. <i>In octo libros Physicorum</i>… II c.7, q.3, a.2, p. 247: “Peculiariter tamen diuinis ideis attribuitur exprimere res ipsas, quia essentia divina eminenter continent hominem, verbi gratia, cuius est idea, prout ab illo est imitabilis, similiterque res caeteras et eas perfectissime repraesentat”.</span><br />
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">77</span></b>] Cf. A. R. Damásio, <i>O Sentimento de Si</i>… Permitimo-nos remeter também para A. Dinis e J. M. Curado (orgs.), <i>Consciência e Cognição</i>, Braga, 2004. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">78</span></b>] Cf. J. Schmutz, “Un Dieu…”, pp. 213-14. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">79</span></b>] Cf. J. Biard, “La position d’objet dans la théorie de la connaissance de Pierre d’Ailly”, in G. F. Vescovini (a cura di), <i>Oggetto e spazio. Fenomenologia dell’oggetto, forma e cosa dai secoli XIII-XIV ai post-cartesiani</i>, Firenze, 2008, pp. 19-36. Vd. supra as notas sobre Ockham. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">80</span></b>] Cf. J. Zupko, “Self-Knowledge and Self-Representation in Later Medieval Psychology”, in P. J. J. M. Bakker & J. M.M.H. Thijssen (ed.), <i>Mind, Cognition</i>…, p. 88. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">81</span></b>] <i>In III De Anima</i>…III c.8, q. 8, a.1, p. 394. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">82</span></b>] Cf. J. Zupko, “Self-Knowledge…”, p. 94. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">83</span></b>] Cf. <i>In III De Anima</i>… explanatio h, p. 316; cf. Aristóteles, <i>De Anima III</i> 4, 429b 5-9; veja-se também, J. Zupko, “Substance and Soul: The Late Medieval Origins of Early Modern Psychology”, in S.F. Brown (ed.), <i>Meeting of the Minds: The Relations between Medieval and Classical Modern European Philosophy</i>, Turnhout, 1998, p. 94. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">84</span></b>] Cf. J. Zupko, “Substance and Soul”, pp. 121-139; vd. também Id<i>., ibid</i>., pp. 100-101. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">85</span></b>] Tomás de Aquino, <i>Su. Theol</i>. Iª, q.87, a.3, <i>sol</i>. (na tradução citada de Carlos A. R. do Nascimento, p. 215): “Por isso, o que é conhecido primeiro pelo intelecto humano é tal objecto [a natureza da coisa material]; em segundo lugar é conhecido o próprio acto pelo qual o objecto é conhecido e, pelo acto, é conhecido o próprio intelecto do qual o próprio inteligir é a perfeição.” </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">86</span></b>] Nomeadamente com base em Aristóteles, <i>De Anima III</i> 7, t. 30 (=431 a 14-20) e 8, t. 39 (=432 a 3-14): <i>In III De Anima</i> … explanatio, p. 363; <i>In III De Anima</i> … explanatio, p. 366. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">87</span></b>] Cf. o nosso “Intelect et Imagination…”, pp. 155-58. O cogito augustinista lê-se em <i>De Trin</i>. XV 12, 21; cf. <i>Ibid</i>. X 10, 16; <i>De Civ. Dei</i> XI 26; <i>De lib. Arb</i>. II 3, 7. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">88</span></b>] M. Foucault, <i>As Palavras e as Coisas</i>, trad., Lisboa, 1968, p. 51, que continua : “E é esse texto que, fundando o comentário, lhe promete, como recompensa, a sua descoberta final.” </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">89</span></b>] Cf. <i>Parva Naturalia: De memoria</i> c.1, p. 6: “Asserendum tamen est intellectum et memoriam intellectivam unamque eandemque esse animi facultatem, nec re nec speciem diversam.” </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">90</span></b>] Cf. Petrus Ioannis Olivi, <i>Quaestiones in secundum librum Sententiarum</i>, ed. B. Jansen, Grottaferrata 1922-1926, q. 76; III, p. 146; q. 74; III, p. 126; R. Descartes, <i>Meditationes</i>… III (AT VII 34): “Ego sum res cogitans, id est dubitans, affirmans, negans, pauca intelligens, multa ignorans, volens, nolens, imaginans etiam et sentiens…”; Id. <i>Méditations</i> (AT IX 27). J. Schmutz detectou, no ano 1680, a entrada das fórmulas de “sentido íntimo" ou “sentimento de existência", vd. o seu “L’invention jésuite du ‘sentiment d’existence’, ou comment la philosophie sort des collèges", <i>XVIIe siècle</i> 59 (2007), 4, p. 613-631. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">91</span></b>] Cf. <i>In III De Anima</i>… III c.13, q.2, a.1, p. 423. O Comentário concede apenas um certo grau de “verosimilhança” à tese da superioridade da vontade sobre o intelecto (<i>In III De Anima</i>… III c.13, q.2, aa. 1 e 2, pp. 423-25), distingue as duas faculdades em sentido real (<i>In III De Anima</i>… III c.13, q. 3, a.2, p. 428) e admite tão-só a superioridade do acto de amar no âmbito da moral (<i>In III De Anima</i>… III c.13, q.2, a.2, p. 426). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">92</span></b>] <i>In III De Anima</i>… II c. 3, q. 4, a. 3, p. 117. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">93</span></b>] Recordemos as duas definições - <i>quia </i>413 b 12: «…aquilo pelo qual vivemos, sentimos, nos movemos e pensamos»; - e <i>propter quid</i>, 412 a 20: «… substância no sentido de forma de um corpo natural que possui a vida em potência.» </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">94</span></b>] <i>Tractatus de Anima Separata</i> d. 4, a.2, p. 510: “Denique naturale lumen intellectus humani separati capax est cognitionis distinctae ; ergo producibiles sunt a Deo species, quibus ea capacitas compleatur…”; cf. também M. S. de Carvalho, “Tra Fonseca e Suárez: una metafísica inconclusa” <i>Quaestio</i> 9 (2009) (no prelo). </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">95</span></b>] <i>Tractatus</i>… d.5, a. 2, p. 518. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">96</span></b>] <i>Tractatus</i>… d.5, a.2, p. 517: “Animae separatae naturaliter possunt cognoscere evidenter multa possibilia esse Deo…”; <i>ibidem</i> p. 518: “… plerosque ab intellectu separato evidenter esse cognoscibiles…” </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">97</span></b>] <i>Tractatus</i>… d. 5, a.1, p. 515: “Anima separata tum se suosque actus internos ac potentias, tum vero alias animas distincte potest cognoscere. (…) Nimirum ut anima per se ipsam se intelligat, quod etiam expressit D. Augustinum libro 9º De Trinitate, c. 3, cum dixit mentem se per seipsam nosse, cum sit incorporea; quanquam dum corpus informat, non nisi per superadditam similitudinem id praestat, sicut superius libro 3º, c. 8, q. 7, ostensum est”. </span></div>
<div align="justify" style="color: #cccccc;">
<span style="font-size: small;">[<b><span style="color: white;">98</span></b>] F. Brito, <i>A Base física do espírito</i>, Rio de Janeiro, 1912, p. 61; <i>apud</i> L. A. Cerqueira, <i>Filosofia Brasileira</i>…, p. 205.</span></div>
CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/14536516851252027056noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3333791665965730985.post-22111068864250067842009-09-14T18:11:00.000-07:002010-06-18T12:06:48.677-07:00Imortalidade da Alma e Percepção e Cognição nos Conimbricenses<!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves/> <w:trackformatting/> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:donotpromoteqf/> <w:lidthemeother>PT-BR</w:LidThemeOther> <w:lidthemeasian>X-NONE</w:LidThemeAsian> <w:lidthemecomplexscript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> <w:splitpgbreakandparamark/> 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204);" class="MsoNormal"><b><br /><span style="">Introdução<o:p></o:p></span></b></p> <p style="text-align: justify; color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Ao se ler o texto de José Benigno Zilli sobre a psicologia dos conimbricenses, nota-se que esse autor destaca de maneira muito clara a importância do V Concílio de Latrão para a história da psicologia filosófica dos séculos XVI e XVII, principalmente para os jesuítas e para R. Descartes. Porém, para compreender a relevância daquele concílio, tem-se primeiro que analisar a história da doutrina cristã da imortalidade da alma.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Na tradição bíblica, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, é bastante difícil encontrar elementos para se sustentar que a concepção de imortalidade da alma era familiar ao judaísmo bíblico.<a name="_ednref1"></a><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=3333791665965730985#_edn1" title=""><span style="">[i]</span></a> A primeira dificuldade importante se encontra logo na abordagem filológica, pois não parece haver nem no Antigo Testamento e nem no Novo Testamento um termo equivalente a ‘alma’ entendida como algo distinto de ‘corpo’. Tanto <i>nephesh</i> quanto <i>psyche</i> reforçam mais uma abordagem da pessoa humana como um todo, como alguém que tem o ‘sopro de vida’, do que uma separação entre alma e corpo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Não é aqui o caso de se fazer um estudo exegético mais aprofundado com vistas a estabelecer se e em que medida o judaísmo do período do início do cristianismo tinha sido influenciado pelas concepções gregas ou persas, certamente muito antigas, de que a alma se separa do corpo e que sobrevive indefinidamente num outro plano. Basta aqui ressaltar que há uma distinção significativa entre a ‘ressurreição’ que aparece em algumas passagens da Bíblia<a name="_ednref2"></a><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=3333791665965730985#_edn2" title=""><span style="">[ii]</span></a> e a crença na imortalidade da alma. A ressurreição ou a elevação de alguns personagens bíblicos ao céu tem três características importantes: seria da pessoa toda e não de alguma parte da pessoa; não ocorreria necessariamente depois da morte do corpo e seria algo experimentado por algumas pessoas – não uma característica geral da pessoa humana. A imortalidade da alma teria características opostas.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">O que importa no momento é ressaltar que a imortalidade da alma não esteve sempre presente de maneira inequívoca na tradição cristã, pois não foi herdada do judaísmo e nem teria sido recebida de maneira natural através da influência grega<a name="_ednref3"></a><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=3333791665965730985#_edn3" title=""><span style="">[iii]</span></a>. Contudo, com o passar dos séculos, a crença na imortalidade da alma se impôs como uma necessidade inescapável do pensamento cristão, principalmente no que se refere à necessidade de defender a igualdade em dignidade entre todas as pessoas, visto que esta seria condição essencial para a responsabilidade pessoal pelas próprias ações e, portanto, para a imputabilidade das boas e das más ações de uma pessoa com vistas à sua salvação ou condenação eterna.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Outra forte razão para a crença na imortalidade da alma no cristianismo está ligada à crença na presença de Deus nas pessoas, pois a revelação que chega aos ouvidos entra no entendimento da pessoa e passa a lá residir na forma de ‘verdade’. Como a ‘verdade’ possui os atributos divinos de ser única e permanente, o local onde habita a verdade na pessoa tem que permanecer, pois do contrário o caráter perecível do continente (alma humana) sairia vencedor com relação ao caráter eterno da verdade (Deus). A teologia da antiguidade e da idade média defendem justamente o contrário, ou seja, que o divino e mais nobre promove a elevação do humano e perecível ao seu patamar. Portanto, a crença na imortalidade da alma se impôs como necessária para o cristianismo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Feitas estas considerações, fica evidenciado o fato de que no século dezesseis, como nos anteriores, as autoridades eclesiásticas viram-se na obrigação de reforçar a crença na imortalidade da alma e de exortarem os teólogos e os filósofos cristãos a provar por todos os meios possíveis que não havia incompatibilidade entre a razão e a doutrina cristã.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><b><span style=""><br />Atualidade do debate sobre a imortalidade da alma nos séculos XV e XVI<o:p></o:p></span></b></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">No Renascimento houve um interessante debate a respeito da imortalidade da alma cujas implicações epistemológicas, metafísicas e teológicas foram importantes para a história da filosofia principalmente nos séculos dezesseis e dezessete. No âmbito da metafísica a questão principal era sobre a existência ou não de algo que dá a vida aos seres humanos de tal maneira que eles adquiram um <i>status</i> de superioridade quando comparados com os outros animais e que tenham a capacidade de se perpetuar de alguma maneira. Se houver este algo que dá a vida, então deve haver uma alma humana que transcende o corpo perecível. Contudo, há a questão da evidencia que pode ser encontrada para postular tal entidade e o que significa para o ser humano ser um ser espiritual. Por outro lado, se a resposta para a questão inicial for que não há diferença significativa entre os seres humanos e os outros animais, o que implicaria em negar que o ser humano seja constituído por alma e corpo, então surge a questão sobre o que seria a consciência e o que seria a verdade.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">De um problema metafísico se chega a um problema epistemológico. Se há verdade e se esta verdade reside na consciência, então há um intelecto que apreende a verdade. Se a verdade permanece verdade, então é lícito perguntar se o intelecto que a conhece também deve permanecer, ou seja, se o intelecto é eterno assim como a verdade que está nele permanece sempre verdade.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">A questão teológica que surge neste contexto é se é Deus que cria e que mantém a verdade, sendo Ele próprio espiritual, então o intelecto na medida em que adquire a verdade tem que ser também teológico. A questão é se o entendimento humano seria, portanto ‘divino’ em algum grau. E mesmo que a questão da distinção entre mente e corpo for taxativamente negada, ainda permanece a questão dos atributos divinos da verdade (que seria eterna transpessoal e comunicável).<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Mais. Se o ser humano tem algo de divino, então se coloca a questão da falibilidade e da fragilidade humana. Nesta linha, impõe-se a questão referente à possibilidade de erro de julgamento, tanto ao nível intelectual quanto ao nível moral, pois o ser humano tem que ser responsável de alguma maneira por tais erros de julgamento para ser imputável, passível de ser responsabilizado por suas boas ou más ações. Mesmo que se negue o caráter espiritual do ser humano ainda assim os princípios básicos da moralidade tem que ser de alguma maneira associados diretamente com a natureza humana.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">No contexto medieval, a questão da imortalidade da alma surgia, dentre outros momentos, no debate sobre a mortalidade do corpo e a salvação da alma individual, debate este ligado às <i>Sentenças</i> de Pedro Lombardo. A discussão ficou ainda mais complexa com a recepção dos comentários de Averróis ao <i>De anima</i> nos quais ele parece negar a imortalidade da alma individual, a salvação individual e a responsabilidade humana pelas próprias ações.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Tomás de Aquino se dispôs a resolver esta dificuldade com a estratégia de dar uma interpretação correta e adequada do texto de Aristóteles e de analisar a estrutura da alma humana do ponto de vista teórico, a fim de demonstrar em que sentido ontológico e epistemológico se pode dizer que a alma de um individuo é imortal. A partir de então a abordagem teórica das questões referentes à alma humana esteve ligada à questão de como o texto do <i>De anima</i> poderia ser melhor interpretado. O Renascimento produziu importantes ferramentas filológicas e linguísticas que permitiram estudar de maneira mais proveitosa tanto Aristóteles quanto os demais autores clássicos. O Renascimento também se preocupou em estudar anatomia, fisiologia e as demais artes médicas, de tal maneira que houve importantes discussões sobre a anatomia e a fisiologia cerebrais e sobre as funções e faculdades da alma.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">A questão da compatibilidade entre Aristóteles e a doutrina cristã que, nos séculos treze e seguintes foi central, foi perdendo força e a imortalidade da alma passou a ser discutida sob o ponto de vista das diferentes correntes teológicas. A questão epistemológica se concentrou no valor interpessoal da cognição.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">No concilio de Florença (1439), o filosofo bizantino Jorge Gemisto, conhecido como Pleto, lançou um ataque ao aristotelismo latino dizendo que Aristóteles tinha sido inconsistente ao defender a imortalidade da alma no <i>De anima</i> mas não na <i>Ética</i>, e que por isso Alexandre de Afrodisias tinha postulado que o Estagirita defendia que a alma humana era mortal. As reações a este debate teriam levado Cosimo de Médici a encarregar Marsilio Ficino de tornar acessíveis as fontes platônicas e neoplatônicas. Ficino então compôs sua famosa obra <i>Teologia Platônica</i>. Para Ficino, o principal erro de Averróis tinha sido o de negar que a substancia do intelecto pode ser a forma que aprimora o corpo, que é a atualização da vida do corpo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style=""><o:p> </o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><b><span style=""><br />Problemas para a compatibilidade entre a razão e a doutrina cristã no século XVI<o:p></o:p></span></b></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">O debate sobre a imortalidade da alma seguiu naquelas linhas, em vários lugares, principalmente em Pádua, até que Pietro Pomponazzi (1462-1525) publicou sua obra <i>Tratado sobre a imortalidade da alma</i>, no qual ele postula que o ser humano ocupa o lugar médio entre o material e o espiritual, entre o mortal e o imortal. Pomponazzi refere-se às operações vegetativas e sensitivas da alma que ocorrem ao nível corpóreo, portanto mortais, e às operações intelectivas que operam independentemente do corpo, portanto imortais. Em si, o ser humano nem é mortal em sentido absoluto e nem é imortal em sentido absoluto.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">As soluções para a ambigüidade que se segue lhe pareciam ser três: <o:p></o:p></span></p> <ol style="color: rgb(204, 204, 204);" start="1" type="1"><li class="MsoNormal" style=""><span style="">todo homem teria uma alma mortal individual e uma alma imortal universal;<o:p></o:p></span></li><li class="MsoNormal" style=""><span style="">a alma intelectiva é uma força totalmente separada que move a alma sensitiva; <o:p></o:p></span></li><li class="MsoNormal" style=""><span style="">a alma humana é em si imortal, mas em certo sentido é mortal. <o:p></o:p></span></li></ol> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style=""><br />A terceira solução seria a de Tomás de Aquino e tem como consequências de que as faculdades sensitivas e intelectivas são uma e mesma coisa (Suárez com relação ao <i>sensus communis</i> e a <i>phantasia</i>); a alma é a forma ou essência do ser humano e não uma força externa; há tantas almas quantos seres humanos individuais; a alma é colocada por Deus em cada pessoa no momento da criação daquela pessoa, mas sobrevive ao perecimento do corpo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Para Pomponazzi, o ser humano está a meio caminho entre o mundo material e o mundo espiritual, sendo que o intelecto humano está intimamente ligado ao corpo, pois necessita dos sentidos para conhecer (necessita dos <i>phantasmas</i>). Como tudo isto faz com que a questão da alma não possa ser resolvida com clareza, Pomponazzi defende a doutrina averroísta da dupla verdade – uma teológica independente e distinta de outra filosófica.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">As conclusões de Pomponazzi estavam em flagrante desacordo com a recomendação feita pelo quinto concílio lateranense de alguns anos antes (1513) que exortava não somente os teólogos mas também os filósofos a utilizar todos os meios para provar tanto quanto possível a verdade da religião cristã de que a alma humana individual é imortal.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Este fato histórico ajuda a explicar porque a nascente Companhia de Jesus produziu já no século dezesseis inúmeros comentários manuscritos ao <i>De anima</i> de Aristóteles, sendo que três daqueles manuscritos foram publicados ainda no século dezesseis – os comentários ao <i>De anima</i> de Francisco Toledo (1574) e dos Conimbricenses (1598) e uma sessão dedicada a pontos essenciais ligados ao <i>De anima</i> nos <i>Comentários à Metafísica de Aristóteles</i> de Pedro da Fonseca (1589).<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Também parece haver novos elementos para entender melhor porque tanto Pedro da Fonseca quanto os Conimbricenses questionam em inúmeros lugares a autoridade filosófica de Tomás de Vio Caetano. A razão para a atitude crítica e a rejeição de inúmeros pontos da leitura que Caetano fez de Aristóteles da parte daqueles jesuítas estaria ligada à rejeição da leitura de Aristóteles feita em Pádua, principalmente por Pedro Pomponazzi, sendo que Caetano estudou em Pádua e tinha ligação de amizade com Pomponazzi. Em jogo neste contexto está a tradição cujo proponente principal tinha sido Averróis que consistia em pensar que pela razão, ou seja, na obra de Aristóteles, a alma humana é mortal e o intelecto agente é único para todos os seres humanos e imortal. Portanto, a imortalidade da alma humana individual somente poderia ser provada em outro contexto, ou seja, somente pela revelação é que tal prova poderia ser alcançada. Claro que Caetano nunca desposou tal posição com toda a clareza, apesar de que sua posição parece ter se alterado ao longo de sua carreira. Contudo, vários pontos de sua exposição sobre percepção e cognição propõem uma leitura que se distancia da tradição peripatética escolástica e se aproxima dos resultados obtidos pelo averroísmo e pelo aristotelismo renascentista seguidor de Alexandre de Afrodísias.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style=""><o:p> </o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><b><span style=""><br />Uma preocupação mais ampla do que apenas com os aspectos filosóficos<o:p></o:p></span></b></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Outro elemento interessante que surgiu com a análise do <i>Comentário ao De anima</i> dos Conimbricenses foi a constatação de que já na esteira do que tinha feito Pedro da Fonseca, a preocupação tinha se deslocado da análise filológica do texto de Aristóteles – a explicação do texto é uma parte muito pequena do referido <i>Comentário</i> – para a resposta às principais questões filosóficas e teológica suscitadas pelo <i>De anima</i>, ou seja, o que importaria para eles não era descobrir se Aristóteles defendia ou não a imortalidade da alma humana individual mas sim apresentar os argumentos que a razão dispõe para provar tal mortalidade. Há aqui que se ter presente que o coroamento deste libertar-se da interpretação estrita do texto filosófico deu-se nas <i>Disputationes metaphysicae</i> de Francisco Suárez (1597).<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Para Suárez a alma não pode ser destruída, pois não é de natureza composta, cuja consequente postulação de que no âmbito do mental não há distinção entre faculdades sensitivas e intelectivas. A alma, portanto, somente poderia ser destruída por Deus. O corpo, por outro lado, é composto e por isso é perecível.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Os Conimbricenses concordam com a definição aristotélica de que a alma humana é “ato primeiro substancial ao corpo orgânico que tem vida em potência”. Como ‘ato’ entende-se que a alma não é composta, como ‘ato primeiro substancial’ é distinta das suas operações e das formas naturais dos seres não vivos. A alma é aquilo por meio do qual vivemos, sentimos, mudamos de lugar e entendemos. A alma não está toda em nenhuma parte do corpo, mas toda em todas as partes, só que não da mesma maneira, pois a vista está no olho, e a <i>phantasia</i> no cérebro, mas intelecto e vontade estão igualmente em todo o corpo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">A alma é forma do corpo e princípio de nossa atividade, sendo, portanto, simples, espiritual, subsistente, imortal e igual em relação às almas das outras pessoas.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style=""><o:p> </o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><b><span style=""><br />A percepção na perspectiva conimbricense<o:p></o:p></span></b></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">O problema do papel da percepção no processo do conhecimento era considerado uma das questões centrais da filosofia escolástica. Considerando o conhecimento na sua forma mais simples, pode-se dizer que se daria através da recepção da forma pelos sentidos sem a matéria. A forma sensível, depois de passar pelo <i>sensus communis</i> e perder a diferença de presença, se tornava o <i>phantasma</i> e este posteriormente era elevado pelo intelecto e se tornava a forma inteligível.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">No que concerne à faculdade sensitiva os Conimbricenses entendem que seja considerado sob três aspectos:</span><br /><span style=""><o:p></o:p></span></p> <!--[if !supportLists]--><ol style="color: rgb(204, 204, 204);"><li><span style="">recebe do objeto a forma;</span></li><li><span style="">depois de receber a forma produz o ato de sentir;</span></li><li><span style="">recebe o ato de sentir.<o:p></o:p></span></li></ol> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style=""><br />O primeiro e o terceiro são passivos e o segundo é ativo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">No que diz respeito à necessidade das espécies sensíveis, os conimbricenses defendem que é a espécie sensível que determina a faculdade de sentir, em si indeterminada, para que receba este ou aquele singular (Escoto, Alberto e Capreolo), somente que a espécie sensível depende para existir e permanecer da presença do objeto.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Os sentidos internos podem ser entendidos como sendo em número de quatro: <i>sensus communis</i>, <i>phantasia</i>, cogitativa ou <i>aestimativa</i> e memória. Porém, na verdade podem ser reduzidos a dois (como postulou Fonseca): <i>sensus communis</i> e<i> phantasia</i>. Esta última, <i>phantasia</i>, seria um único sentido, mas com as funções de imaginação, de cogitação e de memória. O autor do comentário ao <i>De anima</i>, Manuel de Góis, acrescenta que “esta nossa opinião não contradiz a doutrina peripatética”. Na sua opinião, em total acordo com Pedro da Fonseca, não podem os dois sentidos externos serem reduzidos a apenas um, como queria Suárez, e nem se pode rejeitar o <i>sensus communis</i>, como queria Francisco Toledo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">Os Conimbricenses também apresentam várias conclusões interessantes que não poderão contudo ser aqui detalhadas. Por exemplo, explicam que a localização dos sentidos internos é: <i>sensus communis</i> na parte anterior do cérebro e <i>phantasia</i> em todo o cérebro. Também ensinam que o conhecimento intelectual pode ser intuitivo e/ou abstrativo. Abstrativo ou de simples inteligência seria o conhecimento de qualquer coisa que não está presente. Intuitivo ou de visão seria a notícia do objeto presente enquanto presente.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style=""><o:p> </o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><b><span style=""><br />Considerações<o:p></o:p></span></b></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">O presente artigo é na verdade um primeiro esboço dos resultados obtidos a partir da análise histórico-filosófica das obras dos jesuítas do século XVI a respeito do <i>De anima</i> de Aristóteles. Na medida em que o estudo for sendo aprofundado, espera-se que outros pontos interessantes apareçam. As conclusões possíveis nesta altura são: o debate em torno da psicologia filosófica dos jesuítas tem que levar em conta muitos outros aspectos além da simples análise filológica e filosófica; o tema da ‘imortalidade da alma’ é de fundamental importância para se entender a estratégia argumentativa do comentário conimbricense ao <i>De anima</i>; Manuel de Góis, assim como Pedro da Fonseca, tinham a preocupação de concordar suas doutrinas com Aristóteles, tanto quanto possível, e um exemplo disto é o caso do número dos sentidos internos, pois ao defenderem que seriam apenas dois acrescentaram que tal doutrina estaria em sintonia com Aristóteles, sem seguirem neste ponto o tomismo, o albertismo ou o escotismo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style=""><o:p> </o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><b><span style=""><br />Notas</span></b><span style=""><o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><a name="_edn1"></a><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=3333791665965730985#_ednref1" title=""><span style="">[i]</span></a><span style=""> Julius Guttmann em seu <i>A filosofia do judaísmo</i>, pareceu identificar também uma crença na imortalidade da alma na Bíblia Hebraica, talvez por influência das crenças de outros povos. Na verdade ele de alguma maneira associa ressurreição e imortalidade da alma. Como suas afirmações são por demasia vagas, não há como saber exatamente a que ele se refere.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><a name="_edn2"></a><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=3333791665965730985#_ednref2" title=""><span style="">[ii]</span></a><span style=""> Antes do Novo Testamento, o tema da ressurreição na Bíblia surge no livro de Daniel e no segundo livro dos Macabeus, neste último caso a ressurreição é apresentada como uma esperança num contexto em que famílias inteiras eram exterminadas, impedindo, portanto, que a ‘permanência’ através da descendência e da transmissão das tradições tivesse lugar. Se até o tempo dos Macabeus não era necessário se preocupar com o pós-morte visto que terminada a existência da pessoa esta se juntaria ao seus antepassados no <i>Sheol</i>, ‘permanecendo’ em sua prole e nas tradições passadas de geração em geração, a partir daquela situação de genocídio o tema da ‘permanência’ individual após a morte se tornou premente.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><a name="_edn3"></a><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=3333791665965730985#_ednref3" title=""><span style="">[iii]</span></a><span style=""> A crença de que após a morte a sombra da pessoa iria para o Hades não equivalia a pensar numa alma individual que sobrevivesse à destruição do corpo.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style=""><o:p> </o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><b><span style=""><br />Bibliografia<o:p></o:p></span></b></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">ANDRADE, A.A.B. de, «Teses fundamentais da Psicologia dos Conimbricenses» in Id., <i>Contributos para a História da Mentalidade Pedagógica Portuguesa</i>, Lisboa 1982, pp. 99-141.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">ARISTÓTELES, <i>De anima</i> (editado por Sir David Ross). </span><span style="" lang="EN-US">Oxford: Oxford University Press, 1999.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="" lang="EN-US">AVERRÓIS, <i>Commentarium Magnum In Aristotelis De Anima</i>. </span><span style="">Cambridge (Mass.): Medieval Academy of America, 1953.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="" lang="EN-US">______. <i>Middle Commentary on Aristotle’s De Anima</i> (trans. A. L. Ivry). Provo (Utah): Brigham Young University Press, 2002.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">AVICENA, <i>Liber De Anima seu Sextus de Naturalibus IV-V</i>. Lovaina/Leiden: Peeters/Brill, 1968.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">______. <i>Liber De Anima seu Sextus de Naturalibus I-III</i>. Lovaina/Leiden: Peeters/Brill, 1972.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">BENIGNO ZILLI, J. <i>Introducción a la Psicología de los Conimbricenses y su influjo en el sistema cartesiano</i>, Xalapa, 1960.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">CARVALHO, M. S. de, «Filosofar na época de Palestrina. Uma introdução à psicologia filosófica dos ‘Comentários a Aristóteles’ do Colégio das Artes de Coimbra», <b>Revista Filosófica de Coimbra</b> 11 (2002) 389-419.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">GÓIS, Manuel de, <i>Commentarii Collegi Conimbricensis Societatis Jesu in tres libros De anima</i>, Coimbra, 1598.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="" lang="EN-US">DES CHENE, D. <i>Life’s Form — Late Aristotelian Conceptions of the Soul</i>. </span><span style="">Ithaca: Cornell University press, 2000.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">FONSECA, Pedro da. <i>Commentariorum in Libros Metaphysicorum Aristotelis</i> v. 1 (Roma, 1577); v. 2 (Roma, 1589); v. 3 (Évora, 1604); v. 4 (Lyon, 1612); (reimp. </span><span style="" lang="EN-US">Colônia (vv. 1-3, 1615; v. 4, 1629): Georg Olms Hildesheim, 1964).<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="" lang="EN-US">FREDE, D. “The Cognitive Role of Phantasia in Aristotle.” In NUSSBAUM, M. C. & RORTY, A. O. (eds.) <i>Essays on Aristotle’s De Anima</i>. </span><span style="">Oxford: Clarendon Press, 1992, 279-295.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">GUTTMANN, J. <i>A filosofia do judaísmo</i>. São Paulo: Perspectiva, 2003.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">HANKINS, J. (ed.) </span><i><span style="" lang="EN-US">The Cambridge Companion to Renaissance Philosophy</span></i><span style="" lang="EN-US">. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="" lang="EN-US">SCHMITT, C. et al. <i>The Cambridge History of Renaissance Philosophy</i>. Cambridge/New York/New Rochelle/Melbourne/Sydney: Cambridge University Press, 1988.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">SUÁREZ, F. <i>Commentaria una cum Quaestionibus in Libros Aristotelis De anima</i> - <i>Comentarios a los libros de Aristóteles sobre el Alma</i>, t. 1 Madrid: Sociedad de Estudios y Publicaciones, 1978; t. II Madrid: Labor, 1981; t. III Madrid: Fundación Xavier Zubiri, 1991.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">______. <i>Disputaciones Metafísicas</i>. Madrid: Editorial Gredos, 1960.<o:p></o:p></span></p> <p style="color: rgb(204, 204, 204);" class="MsoNormal"><span style="">TOLEDO, F. <i>In Libros De anima in Opera Omnia</i>. </span><span style="" lang="EN-US">Hildesheim/Zurich/New York: Olms, 1985.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal"><span style="" lang="EN-US"><span style="color: rgb(204, 204, 204);">WOLFSON, H. A. “The Internal Senses in Latin, Arabic, and Hebrew Philosophic Texts.” In WOLFSON, H. A. </span><i style="color: rgb(204, 204, 204);">Studies in the History of Philosophy and Religion</i><span style="color: rgb(204, 204, 204);">, v. 1. Cambridge (Mass): Harvard University Press, 1973.</span><o:p></o:p></span></p> <div style="text-align: justify;"><span style=""><span style=""> <blockquote></blockquote></span></span></div>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/14536516851252027056noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3333791665965730985.post-91432782413937992009-08-26T11:04:00.000-07:002010-06-18T12:08:02.918-07:00O Problema da Alteração Sensitiva em Aristóteles<strong style="color: rgb(204, 204, 204);">Marco Zingano (USP)</strong><br /><br /><a style="color: rgb(204, 204, 204);" href="https://share.acrobat.com/adc/document.do?docid=190546f9-b6a2-4335-ac40-4029d4f10e82">https://share.acrobat.com/adc/document.do?docid=190546f9-b6a2-4335-ac40-4029d4f10e82</a>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/14536516851252027056noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3333791665965730985.post-80446799958572087892009-08-17T10:45:00.000-07:002010-06-18T12:09:08.537-07:00Antônio Vieira e a medicina da alma. Fundamentos teóricos e aplicações na obra sermonística<strong style="color: rgb(204, 204, 204);">Marina Massimi (USP)</strong><br /><br /><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:78%;" >Nota ao fim do texto</span><br /><strong style="color: rgb(204, 204, 204);"></strong><br /><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify"><strong>Premissas</strong><br />Na cultura brasileira do período entre os séculos XVI ao XVIII, a prática da oratória sagrada protagoniza o processo de apropriação, articulação e transmissão de certo tipo de saber acerca do homem e da vida saudável derivado da tradição ocidental. A característica deste saber e destas práticas é a abrangência, sendo levadas em conta todas as dimensões do ser humano: corpo, alma e espírito. Nesta perspectiva, a saúde é concebida como qualidade da vida pessoal e o objetivo terapêutico é o cuidado para com a pessoa na sua integridade. Pretendemos neste texto descrever as etapas do processo formativo da concepção e da prática da palavra assim como padre Antônio Vieira a atualizou em seu ministério de pregador e na escrita de seus sermões. Para realizar esta meta, será necessário compreender Vieira no âmbito do universo cultural e religioso a que pertence.<br /><br /><strong>Os jesuítas entre a psicologia filosófica aristotélica e a tradição da medicina da alma<br /></strong>Da matriz filosófica do aristotelismo relido por Tomás de Aquino derivam as categorias teóricas utilizadas no âmbito do saber elaborado pela Companhia de Jesus no período da Idade Moderna, para definir a dimensão psicológica da experiência humana e os fenômenos a esta relacionados. Podemos chamar convencionalmente este âmbito de saber de “psicologia filosófica” (mesmo que a terminologia não seja totalmente apropriada pelo fato de que nesta abordagem os fenômenos psíquicos são tomados num mais amplo horizonte antropológico que inclui o corpo e o espírito). Este saber foi elaborado pelos pensadores da Companhia, em obras cuja influência no contexto luso-brasileiro foi marcante: os tratados <em>Conimbricences</em>, redigidos pelos professores do Colégio das Artes da Companhia em Coimbra, e que, posteriormente, foram utilizados para os estudos filosóficos nos colégios da Companhia no Brasil (Barreto, 1983; Caeiro, 1982; Martins, 1989; Santos, 1955; Tavares, 1948). Os tratados são comentários das obras aristotélicas e os que mais fornecem categorias conceituais para abordar o domínio do “psicológico”, são os seguintes: o comentário ao tratado <em>De Anima</em> (<em>Sobre a Alma</em>, Gois, 1602), o comentário ao tratado <em>Parva Naturalia</em> (<em>Pequenas coisas naturais</em>, Gois, 1593a), o comentário ao tratado <em>Etica a Nicomaco</em> (Góis, 1593b), o comentário ao <em>De Generatione et Corruptione</em> (<em>Sobre a geração e a corrupção</em>, Góis, 1607). No âmbito dos referidos textos, algumas teses fundamentais referentes à definição aristotélico-tomista da alma humana, constituem-se nos alicerces do saber proposto. Em primeiro lugar, destaca-se a definição de alma como ato primeiro substancial do corpo, forma do corpo e princípio de atividade, definição esta que remonta à doutrina aristotélica clássica. A alma possui capacidades peculiares, que, na linguagem da dita doutrina, são chamadas de <em>potências</em>. São elas: a potência vegetativa; a sensitiva (a saber, a capacidade sensorial proporcionada pelos sentidos internos e externos), a locomotora, a apetitiva (sensitiva e inteletiva); e a potência intelectiva (intuitiva e abstrativa). No âmbito dos sentidos internos destacam-se: a memória, a imaginação, a cogitativa (ou vis estimativa); e o senso comum. Na realidade, as potências da alma correspondem ao que hoje a psicologia moderna define como funções psíquicas, notadamente: as funções sensoriais, as funções motivacionais e emocionais, as funções cognitivas. Todavia, na perspectiva da psicologia aristotélica, as potências não se identificam <em>tout court</em> com os fenômenos, ao passo de que a psicologia moderna reconhece a existência apenas dos fenômenos, tendo sido inclusive esta diferenciação o salto decisivo para o nascimento da ciência psicológica no século XIX.<br />Se, por um lado, a reproposição da psicologia aristotélica pelos jesuítas passa pela interpretação que dela foi realizada pelo filósofo e teólogo Tomás de Aquino, por outro, para além da continuidade com a tradição filosófica medieval, os pensadores jesuítas de Coimbra sofrem a influência das mudanças culturais que marcam o período humanista e renascentista ao qual pertencem. Deve-se a tal influência, por exemplo, o fato de que, na discussão dos <em>Conimbricences</em>, as teses e as questões referentes à dinâmica das potências psicológicas são abordadas no plano do comportamento humano, acarretando a interseção entre os domínios da Psicologia e da Ética. Com efeito, o Humanismo e sobretudo, a Renascença – devido à ênfase na visão do homem como <em>fazedor de si mesmo</em> (Cassirer, 1977; Garin, 1995) - revisitaram o pensamento ético de Aristóteles; por isto a <em>Ética a Nicomaco</em> (Aristóteles, 1996) foi um dos livros mais lidos e interpretados pelos pensadores daquele período, inclusive pelos intelectuais da Companhia de Jesus.<br />A dinâmica psíquica que dá origem às ações humanas é a resultante da interseção e interação entre a vontade, o intelecto e o desejo (o apetite). Todavia, na esteira do pensamento da época, os <em>Conimbricences</em> supõem que haja uma relação de dependência entre as demais potências da alma e a vontade e por isto detêm-se na análise da dinâmica pela qual a vontade move as demais potências. Para tanto, o elemento básico é a noção de desejo, que – na tradição do aristotelismo - consiste na <em>apetição</em>, ou seja, na inclinação de todas as coisas para o bem. Distingue-se entre o apetite inato e o apetite aprendido (elícito) – pois a ênfase na formação do homem pela educação própria dos séculos XV e XVI ressalta a importância da aprendizagem. O apetite inato distingue-se em natural sensitivo (concupiscência) e natural intelectivo (vontade).<br />Os <em>Conimbricences</em>, assim como toda a cultura do seu tempo, atribuem grande importância aos estados da alma definidos como <em>paixões</em>, que na linguagem da psicologia moderna correspondem às emoções ou sentimentos. As paixões são tomadas como movimentos do apetite sensitivo, provenientes da apreensão do bem ou do mal, acarretando algum tipo de mutação não natural do corpo. Neste sentido, elas dependem sempre de uma representação que o intelecto faz de um objeto, julgando-o como bom ou mau; e por isto os <em>Conimbricences</em> aprofundam especialmente a questão das relações entre as paixões e o intelecto. Divergindo da posição estóica que considerava as paixões como fenômenos nocivos à saúde psíquica e física do ser humano devendo portanto serem extirpadas por serem doenças do ânimo e vícios morais, os filósofos jesuítas reafirmam a função positiva das paixões – já conclamada por Aristóteles e Tomás. Com efeito, se forem <em>ordenadas pela razão</em>, as paixões colaboram à sobrevivência do homem e, além do mais, ajudam-no a alcançar a virtude. As paixões podem ser definidas como doenças ou distúrbios do animo apenas enquanto se afastam da regra e moderação da razão. Neste sentido compreende-se como a dimensão propriamente psicológica da sensibilidade e dos afetos, deva ser integrada pela dimensão espiritual que inclui os âmbitos da razão e da vontade.<br />Os <em>Conimbricences</em> atribuem grande importância também às questões acerca dos correlatos fisiológicos e biológicos da dinâmica das paixões, tais como: as relações entre a tristeza, o sono e os sonhos; as relações entre os sonhos e as paixões; as relações entre as paixões, o sistema cárdio-vascular e a respiração; as relações entre as paixões e a constituição psicossomática dos indivíduos (temperamento); as relações entre as paixões e as diversas idades da vida. Discutem os casos de óbitos ou de doenças induzidas por paixões de excessiva intensidade (especialmente os excessos na ira, no medo, na tristeza, ou na alegria). Analisam os efeitos somáticos de algumas paixões, tais como o empalidecer e o tremor, induzidos pelo medo, a sede e o arrepio de cabelos em decorrência do medo; as relações complementares entre diversas paixões (por exemplo, entre a ira, a tristeza, a dor e o prazer) e os nexos entre o amor e a loucura.<br />È nestes pontos (o cuidado com as paixões e a relação entre o espiritual, o psíquico e o orgânico) cuidado com as paixe o cmapo para aintervençr o domque, mais diretamente, abre-se o campo para a intervenção da Medicina da alma. Os saberes rotulados como <em>Medicina da Alma ou do Animo</em> (na terminologia da filosofia estóica) derivam de uma longa tradição que, iniciada pelos médicos-filósofos gregos, explicitada por Platão, consolidada pelo médico grego Hipócrates e posteriormente pelo médico romano Galeno, aplicada pelos oradores e filósofos Cícero e Sêneca, (para citar apenas os nomes mais conhecidos de uma longa e complexa trajetória multidisciplinar) consolidou-se ao longo da Idade Média, sendo retomada e ampliada no Humanismo e na Renascença.<br />A base doutrinaria da Medicina da alma é a teoria humoralista, cujas origens remontam à medicina grega e que é sistematizada posteriormente por Hipócrates e Galeno: esta teoria considera a constituição do homem determinada pela presença de quatro humores fundamentais que, por sua vez, correspondem aos quatro elementos básicos da composição do Universo. Os humores são: biles preta (melancolia), biles amarela, fleuma e sangue. A teoria estabelece uma correspondência entre a preponderância de um tipo de humor no organismo humano e o temperamento do indivíduo. Desse modo, ao excesso de <em>bílis negra</em> (<em>melanê kolê</em>) corresponde o temperamento melancólico; ao excesso de <em>bílis amarela</em> corresponde o colérico; ao excesso de sangue, o sangüíneo; ao excesso de água, o fleumático. Os temperamentos, por sua vez, determinam as características psicossomáticas do sujeito: sua condição orgânica bem como seus estados psíquicos (Klibansky, Panofsky e Saxl, 1983).<br />Baseada numa analogia entre a alma e o corpo, a Medicina da Alma pressupõe a existência de “enfermidades da alma”, ou seja, admite a especificidade da patologia psicológica, ao mesmo tempo em que a dimensão psicológica é tida como intermediária entre a orgânica e a espiritual (Crombie, 1987; Klibansky, Panofsky e Saxl, 1983). Neste sentido, o conceito de "doença da alma" repousa numa tomada de consciência médica, por tratar-se de uma doença cujos sintomas podem ser físicos e, ao mesmo tempo, filosófica, sendo a alma como um todo (não apenas a sensorial e a vegetativa, mas também a racional) o objeto acometido pela moléstia. Tal analogia é, em muitos casos, interpretada em termos de um paralelismo, em outros, como expressiva da unidade psicossomática que caracteriza o ser humano. O principio unitário da saúde é o equilíbrio, de modo que qualquer desequilíbrio, seja no corpo seja no espírito, é causa de doença. É assim que, por exemplo, um desequilíbrio no sentido de um excesso ou defeito nos movimentos do apetite sensorial (=paixão), pode provocar doenças corporais e psíquicas e também acarretar uma fragilidade do espírito. Da mesma forma, a diversidade na composição dos humores do corpo (<em>complexão</em>) origina diferentes temperamentos psicológicos, mas um excesso ou defeito de um ou outro humor pode degenerar em patologias psíquicas e físicas.<br />O filósofo estóico Sêneca, em sua obra <em>Sobre a tranqüilidade da alma</em> (1994) elabora um dos textos de referência desta concepção. A obra estrutura-se em forma de diálogo, como verdadeira consulta médica: o interlocutor de Sêneca, Sereno, descreve-lhe seu estado psíquico (<em>habitus</em>) como a um médico (<em>ut medicus</em>), relata em detalhe os sintomas e solicita-lhe um diagnóstico. E já na era cristã, o filósofo, teólogo e orador Agostinho de Hipona usa repetidamente a expressão “médico da alma” em vários textos e discursos, onde inclusive chama como tal o próprio Jesus Cristo, ou o pregador enquanto seu representante na terra (<em>Discursos</em> 360; 80; 63/a; 77; 87; 88; 156; 159; 240; 391; <em>Homilia</em> 7; o texto <em>A natureza e a graça</em>; no terceiro livro do <em>Tratado contra Juliano</em>; <em>Discurso acerca do salmo</em> 102; no tratado sobre <em>A verdadeira religião</em>; para citar apenas alguns dos inúmeros textos do autor onde a expressão é utilizada).<br />Desse modo, no universo mental e cultural do Ocidente, marcado pelo cristianismo, a Medicina da Alma assume também conotação propriamente religiosa e espiritual e começa a ser rotulada também como Medicina do Espírito.<br />Na mentalidade do ocidente medieval e renascentista, a Medicina da Alma corresponde à "ciência" ou à "arte de viver". Os humanistas assumem a tarefa de traduzir os conteúdos destes conhecimentos em normas da "arte do viver", e é assim que, entre outros, o humanista dálmata Marcus Marulus escreve o tratado <em>De Bene beateque vivendi</em> e seu mestre italiano Tideu Acciarini compõe, em 1489, o <em>De Animorum Medicamentis</em> (Massimi e Brozek, 1983). O médico espanhol Huarte de San Juan, formado pela Universidade de Alcalá e autor do <em>Examen de Ingenios para las Sciencias</em> (1574), estabelece estreita correspondência entre a Medicina do corpo, a Medicina do Animo e a construção política e social da sociedade, baseando-se no modelo da <em>República</em> platônica. Desse modo, a prática social funda-se na filosofia natural, sendo o corpo social estruturado em analogia com o microcosmo que é o homem (San Juan, 1989).<br />Os jesuítas dão continuidade a esta tradição que transmitem, inclusive em seus âmbitos de presença missionária, como o Brasil. Já nos escritos de Inácio de Loyola, fundador da Ordem religiosa, vê-se a referência freqüente a estes saberes, em função do entendimento mais profundo do ser humano e de seu destino, visando à orientação ("direção") de sua vida espiritual. Assim, por exemplo, em carta escrita ao Padre Antônio Brandão em junho de 1551, Loyola frisa a importância de que o mestre espiritual conheça o temperamento daquele que se entrega aos seus cuidados, afirmando a necessidade de “acomodar-se à complexão daquele com quem se conversa, a saber, se é fleumático ou colérico, etc (..), e isto com moderação.” (Loyola, 1993, vol. 2, p. 89).<br />A mesma "arte de viver" Loyola demonstra ao indicar algumas regras de convivência aos Padres Broett e Salmerón, (carta escrita de Roma, setembro de 1541):<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">"No trato de pessoas de qualidades insignes, procurar ganhar-lhes a afeição para maior serviço de Deus Nosso Senhor. Para isso atender primeiro ao seu temperamento e adaptar-se a ele. Se forem coléricos e falarem com vitalidade, tomar um pouco seu modo em bons e santos assuntos; para esses, nada de grave, lento ou melancólico. Mas com os sérios, lentos no falar, graves e pesados, tomar também o modo deles, porque isto lhes agrada: 'Fiz-me tudo para todos'." (Loyola, 1993, vol. 3, p. 21-22).<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">Cláudio Acquaviva (1543-1615), um dos sucessores de Inácio na Generalato da Companhia, foi autor, entre outros, das <em>Industriae ad curandos animi morbos</em> (<em>Normas para a cura das enfermidades do ânimo</em>, 1600; ed. 1893), destinado a todos os Superiores da Companhia visando à orientação da formação espiritual de seus discípulos. Neste texto, Acquaviva retoma a analogia tradicional entre doenças (e cura) do corpo e enfermidades (e terapia) da alma, definindo os vários tipos de doenças espirituais e os remédios necessários para cada uma, inspirando-se na tradição monástica e patrística (São Basílio, São Gregório, São Bernardo, Santo Agostinho, entre outros). O mesmo Claudio Acquaviva, em <em>Instructio ad reddendam rationem conscientiae iuxta morem Societatis Iesu</em> (<em>Normas para o exame de consciência</em>) institui oficialmente como “perpetua praxi Societatis” (Acquaviva, 1893, vol. 2, p. 257) a prática do exame de consciência, tendo função de auto-conhecimento, de prevenção e cuidado de si mesmo. Acquaviva propõe na “Instrução” um roteiro de perguntas para orientar os diretores espirituais: entre outras, uma questão visa detectar os casos em que o sujeito experimente algumas “animi perturbationes” (1893, p. 34).<br />A partir de Acquaviva, a expressão “Medicina da Alma” comparece sistematicamente na literatura jesuítica: trata-se de um conhecimento do ser humano e de sua dinâmica psicológica visando à adaptação deste ao contexto social de inserção (a comunidade religiosa e o ambiente em que esta desenvolve sua missão no mundo).<br /><br /><strong>A pregação como terapia da alma na tradição do Ocidente cristão</strong><br />O estabelecimento de uma relação precisa entre a arte de usar a palavra e a Medicina da Alma, portanto, é antigo, tendo suas raízes na relação estabelecida, desde os gregos, entre o uso da palavra e o dinamismo da pessoa humana: desde então, a palavra é reconhecida como um dos instrumentos (ou remédios) principais da Medicina da Alma.<br />A insistência acerca do cuidado de si mesmo, originária da filosofia socrática e herdada posteriormente pelo estoicismo e pelas filosofias cristãs, acarreta, no plano terapêutico, a importância de se cuidar de cada indivíduo. A preservação e o restabelecimento da saúde implica também na existência de um agente que cure e que acolha a pessoa, ou seja, pressupõem um relacionamento terapêutico, um lugar terapêutico. Por isto, especialmente naqueles contextos culturais onde a maioria da população é iletrada, o recurso à palavra oral, como veículo transmissor de idéias e como meio “terapêutico”, é prioritário e o pregador é identificado como o agente curador, o “médico da alma”. Vimos como, no âmbito do pensamento cristão, já Agostinho introduzira o valor terapêutico da palavra pregada, Cristo sendo rotulado como Médico da alma e a vivência cristã sendo tida por ele como a verdadeira cura da alma. Na proposta de Agostinho, formulada especificamente no texto <em>A doutrina cristã</em>, fundamenta-se o gênero da oratória sagrada e a prática da pregação que se desenvolve na Europa ao longo do período medieval.<br />Na “<em>idade da eloquência</em>” como foi definida a Idade Moderna por Marc Fumaroli (1980), destaca-se a profunda influência do Concílio de Trento no que diz respeito à reforma da eloqüência sagrada. O Concílio atribuíra à esta reforma uma função importante na renovação da Igreja como um todo, a eloqüência sendo elevada à dignidade sacerdotal e apostólica, em virtude do reconhecimento de que arte da oratória cristã seria o meio privilegiado de expressão e de transmissão das verdades da fé. A importância reconhecida ao gênero contribuiu ao desenvolvimento da discussão crítica e do esforço para definir os modelos, os métodos e os estilos mais adequados ao objetivo transcendente do uso da palavra na sua função reveladora do conteúdo teológico. Conforme assinala Pozzi (1997), esta busca deve ser entendida como não somente uma questão de estilo, mas como expressão do problema de fundo colocado pela própria natureza da pregação, enquanto “<em>praedicatio Dei verbi</em>”. Nesta perspectiva, a ênfase é colocada na finalidade do sermão (a mudança dos juízos e das condutas) e, portanto, na eficácia do verbo; “numa sintonia perfeita com a visão da retórica latina, o auditório tornou-se o centro, por volta do qual foi discutido o valor dos atos da retórica”. (1997, p. 284, trad. nossa). Assim, a palavra é trabalhada e explorada em todas as suas possibilidades tendo o objetivo de aumentar sue poder e influência nos destinatários. Desse modo, o exercício da arte retórica constitui-se como lugar de experimentação das potencialidades da palavra, sendo este processo um pressuposto indispensável para o uso da mesma com função terapêutica. Pois, na época, “diante dos efeitos das dúvidas e da fragmentação do saber, são enfatizadas não tanto as coisas a serem comunicadas, quanto as maneiras de torna-las persuasivas” (Battistini, 2000, p. 40, trad. nossa). A palavra eloqüente não apenas veicula a coisa, como induz comportamentos diante dela, associando a razão à verdade e à moralidade e chamando em causa a liberdade como condição de tal associação.<br />No período imediatamente precedente à época do Vieira deve-se considerar a importância das obras teológicas do pregador espanhol Luís de Granada, cujos textos foram amplamente difundidos nos séculos XVII e XVIII no Brasil e utilizados como modelos de referência e de formação dos oradores. Para Granada, a palavra do pregador é ação, na medida em que intervêm para articular a construção do corpo social e religioso, seguindo o modelo oferecido pelo próprio Criador divino através da admirável fisiologia do corpo humano. O corpo – em sua dimensão anatomo-fisiológica - constitui-se então em modelo vivente daquela unidade que, por meio da palavra, tenciona-se recompor nas almas individuais e na comunidade social e política. Este modelo perfeito, dado ao homem, o pregador pode constantemente observá-lo em seu próprio corpo, derivando desta observação, as regras e os remédios para sua cura e para o restabelecimento e conservação de sua saúde. Para Granada, este conhecimento, além de ser a glória de Deus, proporciona a terapêutica médica, pois “entendidas a qualidade e condição das partes do corpo e a dependência recíprocas entre elas, os médicos sabem aplicar os remédios” (ed. 1945, p. 248; trad. nossa). A partir do conhecimento da organização somática, Granada tira a lição moral: “Pois aplicando esta mesma ordem às coisas espirituais, entenderemos que conforme o estado ou a graça que queremos alcançar, assim nos convém nos dispor e aparelhar” (idem, p. 253).<br />O modelo da pregação jesuítica é rigorosamente fiel aos métodos desta tradição católica relida à luz dos decretos tridentinos e é condensado num compêndio utilizado para a formação retórica nos colégios da Companhia, a partir do fim do século XVI elaborado pelo jesuíta português Cipriano Soares, <em>De arte rhetorica libri tres</em> (Coimbra, 1560; 1580). O pequeno livro, devido ao seu caráter sintético, teve centenas de reedições, tendo uma difusão européia (consta nos currículos de colégios jesuítas italianos, portugueses, espanhóis, flamengos, alemães). Trata-se de uma espécie de resumo de passos derivados de Aristóteles, Cícero, e Quintilião. Com efeito, Inácio nutrido por uma sólida cultura clássica, indicara, para a formação dos noviços, diretrizes que previam a leitura direta dos grandes textos da retórica clássica, alinhavada segundo os cânones da cultura humanista. A importância dada à retórica nos colégios jesuítas é evidente considerando também o texto da <em>Ratio Studiorum</em> (Battistini, 2000), conjunto de textos programáticos da pedagogia da Ordem que coloca a retórica no vértice da formação, devendo ser seu ensino precedido por outros dois cursos: gramática e humanidades, considerados propedêuticos. O conhecimento dos recursos argumentativos da linguagem, segundo as diretrizes de Santo Inácio, deve ser incentivado não apenas por ser útil ao aprofundamento da exegese das Escrituras, mas, sobretudo, por ser útil ao preparo ministerial dos jesuítas. De um lado, a atividade deles se exerce quase exclusivamente pela palavra, seja a palavra oral da pregação, seja a palavra escrita da correspondência epistolar. De outro, possuir o domínio da linguagem significa possuir um poder efetivo, sendo que na sociedade da Idade Moderna, rigidamente hierarquizada, o domínio da retórica significava um marco de distinção e de prestígio. Assim, a retórica torna-se não apenas uma técnica, mas também uma visão de mundo e um método de formação e cura da pessoa.<br />A concepção jesuítica da arte da palavra transmitida por Soares funda-se na concepção ciceroniana da língua enquanto forma transmitida na qual é custodiado o conteúdo da civilização herdado, por ser a palavra tomada como funcional à verdade, seja no nível gnoseológico, seja no nível psicológico e moral. Esta visão fundamenta todo o projeto da oratória sagrada na tradição iniciada por Agostinho no <em>De doctrina christiana</em> e apoiado pela tradição patrística e humanista. A palavra encarnada na elocução penetra os ânimos e atinge o plano moral, tornando-se assim ética. A penetração da palavra no plano anímico é o que permite sua potência ética. Nesse sentido, ela age no dinamismo psíquico e também cura os distúrbios da alma, para poder realizar plenamente seu objetivo terapêutico, ou seja, a salvação integral da pessoa humana. Assim, a palavra eloqüente não apenas veicula o conhecimento do objeto e mobiliza o psiquismo do sujeito, mas sugere também comportamentos diante dele. Os elementos da palavra não são apenas os conteúdos veiculados: segundo Quintilião e Cícero, voz e gesto são importantes canais de comunicação. À voz é reconhecida a capacidade de movere os ânimos.<br />Para delinear muito brevemente o processo pelo qual a palavra se torna eficaz, acima assinalado, cabe dizer que seu alicerce é a metafísica do conhecimento de Tomás, segundo a qual “Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu”, ou seja o homem só pode conhecer a partir dos dados sensíveis, obtidos pelos sentidos externos. Este <em>percepto</em>, por sua vez, é processado pelos <em>sentidos internos</em> (fantasia, potência cogitativa, memória, senso comum) como <em>fantasma</em>. A potência cogitativa é <em>ratio particularis</em>, uma espécie de continuação do espírito na sensibilidade, pois manifesta nesta o universal. Assim, mesmo que ela pertença ao âmbito do pre-racional, apresenta-se já orientada para o universal, de modo que a sensibilidade é ela também plasmada pelo espírito. Na continuidade entre sensibilidade e intelecto, a potência cogitativa é o meio onde o espírito e a sensibilidade unem-se para formar um único conhecimento humano. Pois, o pensamento humano - enquanto permanece num corpo não glorioso -, necessita sempre de voltar ao sustento do sensível e do fantástico, para entender: “Nostra assertio haec esto. Anima coniucta corpori non glorioso, saltem, dum communes sive ordinarias intellectiones administrat, necessario speculatur phantasmata.” (Comm. Coninbr. <em>De Anima, lib.3</em>, cap. 8, q. 8, a 2). Segundo os Conimbricences (Idem, cap. 13, q.1, ª3.n.3), a vontade pressupõe o conhecimento, mas também depende do apetite sensitivo o qual, por sua vez, segue a fantasia: “voluntas rationis ductum sequitur, appetitus sensitivus immaginationem sive phantasiam”. De modo que a unidade alma-corpo faz com que a esfera especificamente psicológicas e pre-racional dos apetites e das paixões interfira, profundamente, seja no conhecimento, seja no posicionamento da vontade (livre arbítrio). A vontade, por sua vez, pode também agir sobre os apetites, para orienta-los e disciplina-los, tratando-os como “cives” da alma e não tanto como servos, sendo estes submetidos ‘politicamente’ e não de maneira “despótica’. A palavra ouvida é assim um percepto que é processada pelos sentidos externos e internos, alcança o intelecto e solicita a vontade.<br />Uma aplicação desta concepção da palavra são os <em>Exercícios espirituais</em>, cujo método é baseado na força da palavra, construída não apenas na base da argumentação lógica mas também na mobilização da imaginação, da memória, das paixões, dos sentidos e do corpo (Loarte, 1570).<br />Estes são, portanto, os alicerces conceituais da tradição jesuítica a que Vieira pertence, pelos quais a palavra pregada pode ser realmente considerada um remédio para a alma, no sentido de ter o poder de ordenar e dispor o dinamismo anímico ao seu fim último .<br />Na cultura brasileira, esta abordagem encontra terreno fértil pois já na tradição indígena, este recurso era amplamente valorizado em sua conotação de cura: desde o século XVI, os relatos e cartas dos viajantes e missionários ressaltam a função taumatúrgica atribuída à palavra, pelos nativos (Massimi, 2005).<br /><br /><strong>O pregador como médico da alma segundo Vieira</strong><br />A qualidade peculiar da medicina da alma de competência do pregador é ilustrada por Vieira no <em>Sermão do Evangelista São Lucas</em>, tido como santo padroeiro dos médicos, pronunciado na Santa Casa da Misericórdia, em data desconhecida. Vieira retoma a figura do <em>Christus medicus</em> que vimos ser amplamente utilizada por Agostinho, enquanto modelo de humanidade para os diferentes tipos de médicos do auditório. Vieira afirma que os Apóstolos tornaram-se pregadores armados de um duplo poder sobre a vida: o de conservar e estender a existência temporal e o de prometer e assegurar a vida eterna. Vieira diferencia entre o poder da cura milagrosa dos enfermos e o da ciência medica e adverte que falará não só da medicina sobrenatural, como também, da “medicina natural e humana” (Vieira, 1993, vol. 3, p. 853), pois ambas pertenceram também ao ministério dos Apóstolos, os quais ministravam seja os remédios naturais da terra que os sobrenaturais do Céu. Vieira narra aos ouvintes a história desse duplo poder colocando que após o pecado original e os seus efeitos (o impedimento aos homens do acesso á arvore da vida no Paraíso), Deus fez plantar fora do Paraíso outra arvore da vida “que com seus frutos recuperasse aos homens a saúde” (p. 855), ou seja, a ciência médica, guardada por um “querubim”: o médico. Todavia, o conhecimento médico segundo Vieira tem seu limite no fato da medicina ser uma “ciência conjetural”, “que cura e não vê, e nesta conjectura não só se pode enganar o discurso, mas até a mesma experiência se engana” (p. 866); por isto em muitas culturas, houve recurso dos médicos às artes mágicas, “uniram a ciência mágica com a médica, para que o que não podia alcançar a medicina conjeturando, suprisse a magia adivinhando” (p. 867). Vieira distingue a ameaça à saúde temporal dos riscos que corre a saúde eterna: se no primeiro caso, a solução é a cura da enfermidade, no segundo exige-se o “desengano”: o verdadeiro médico deve saber que a morte iguala homens e reis e que a saúde eterna depende do bom juízo e das ações nesta vida. Neste ponto, evidencia o limite da arte do medico do corpo e a importância da figura do médico da alma. Este tem por objetivo de seu trabalho a salvação e por instrumento a palavra: a palavra pregada promove a saúde eterna, e não a temporal, apresentando-se como medicina de cada alma, orientando-a para que cuide de seu próprio destino, aprendendo a arte de bem viver e de bem morrer.<br />Com efeito, o pregador reúne em si um leque de competências múltiplas, destinadas ao cuidado e à cura, atuantes de modo unitário, por serem sempre atentas à unidade do sujeito portador de saúde e da exigência de cuidado, de modo a abranger as dimensões do somático e do mental, da saúde física e da saúde mental. Não lida apenas com almas, mas também com corpos, entendidos no plano individual, social e cósmico. O que explica a dupla função que o modelo exemplar da oratória sagrada luso-brasileira, padre Antônio Vieira, atribui ao pregador.<br />Por um lado, no <em>Sermão da Sexagésima</em> pregado em 1655, na Capela Real, após regressar da missão em São Luís do Maranhão, Vieira define o pregador como um “médico das almas”, pois o efeito do sermão não deve ser o deleite dos ouvintes, mas a cura deles:</div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify"><br />"A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte: é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para cada confuso e atônito, sem saber parte de si, então é a pregação qual convém, então se pode esperar que faça fruto" (2001, p. 51).</div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify"><br />Por outro lado, em sermão de 1669, proferido diante da Capela Real de Lisboa, na terceira quarta-feira da Quaresma, Vieira apresenta o pregador como o verdadeiro médico das chagas do corpo espiritual mas também do corpo social e político:<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">"E quem não houvesse até agora no púlpito, quem tomasse por assunto a consolação desta queixa, o alívio desta melancolia, o antídoto deste veneno, e a cura desta enfermidade? Muitos dos enfermos bem haviam mister um hospital. Mas à obrigação desta cadeira (que é de medicina das almas) só lhe toca disputar a doença, e receitar o remédio. E se este for provado, e pouco custoso, será fácil de aplicar" (2001, p. 101).<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">Com efeito, na antropologia cristã, a salvação individual sempre é articulada à salvação do próximo; o desejo de se salvar a si mesmo, salvando os outros é um dos objetivos da empresa missionária (Massimi e Prudente, 2002). Neste sentido, a palavra, em sua conotação revelativa do mundo real, é concebida por Vieira, como o “fármaco” eficaz e definitivo para o bem dos corpos individuais animados pela alma racional, bem como dos corpos sociais animados pela vida do espírito de Deus. O poder do verbo ao mesmo tempo cria a comunidade eclesial (o corpo místico) e a comunidade política (a Res-pública: corpo do Rei e corpo do povo). A dimensão política da palavra pregada é evidente, por exemplo, no <em>Sermão pregado na Terceira Quarta Feira de Quaresma</em> de 1669, na Capela Real, onde Vieira estabelece uma analogia entre as crises do Estado, entendido como corpo político e social, e as patologias do corpo humano. Outra analogia entre a condição da vida política e o estado de saúde do corpo é colocada por Vieira no <em>Sermão da Visitação de Nossa Senhora</em> de 1640. Assinalando que “origem” e a “causa original das doenças do Brasil” são o roubo, a cobiça, os interesses de ganhos e conveniências particulares, que impedem o respeito da justiça e determinam a perdição do Estado, o jesuíta exclama: “Perde-se o Brasil, senhor, porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem, vêm cá buscar nossos bens” (Vieira, 1993, vol. I, p. 1230). A terapia por ele recomendada então é moldada em analogia com as terapias de medicina do corpo:<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">"Assim, como a medicina, diz Filo Hebreu, não só atende a purgar os humores nocivos, senão a alentar e alimentar o sujeito debilitado: assim a um exercito e republica não lhe basta aquela parte da justiça, que com o vigor do castigo a alimpa dos vícios, como de perniciosos humores, senão que é também necessária a outra parte, que com prêmios proporcionados ao merecimento esforce, sustente e anime a esperança dos homens" (idem, p. 1222).<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">Um exemplo da eficácia terapêutica da medicina da alma exercida pelo pregador é oferecido por Vieira no <em>Sermão da Quarta Dominga depois da Páscoa</em> pregado em São Luis do Maranhão (1993, vol.2, pp. 761-803), onde Vieira aborda a questão da tristeza. Ao retratar a experiência dos discípulos após o apartamento e a morte de Cristo, descreve-s como acometidos pela tristeza: “Ficaram como atônitos e fora de si, e penetrados de uma tristeza tão profunda que juntamente os emudeceu a todos, sem haver quem dissesse uma palavra” (p. 762). E promete pelo sermão revelar “uma arte muito certa, muito útil, muito agradável e muito breve, que é a arte de não estar triste” (idem). A importância desta arte é ressaltada pela afirmação da tristeza ser “a enfermidade mais universal, que padece neste mundo a fraqueza humana” (p. 763) e “não só mais contrária à saúde dos corpos, senão também a mais perigosa para a salvação das almas” (idem). A universalidade desta enfermidade, segundo Vieira, depende do fato de não haver nenhuma terra “tão sadia e de ares tão benignos e puros, que não esteja isenta deste contágio e nenhum homem tão bem acomplexionado de todos os humores, que quase habitualmente não esteja sujeito aos tristes acidentes da melancolia” (idem). Desse modo, Viera explicita a matriz hipocrático-galenica de sua teoria da tristeza: o desequilíbrio entre os elementos da natureza e os humores do corpo humano. O sintoma da universalidade da tristeza é o choro, sintoma que todo ser humano apresenta ao nascer. Mas já neste ponto, Vieira supera a matriz médica desta concepção ao colocar a etiologia da tristeza não no plano da “natureza, senão da culpa” (idem). E também, logo em seguida ao tratar dos efeitos nocivos da tristeza para a saúde dos corpos, declara que não os comprovará pelos “aforismos de Hipócrates ou Galeno, mas com textos expressos todos do Espírito Santo” (p. 764), ou seja, pela sagrada escritura. Ao fazer isto, evidentemente, procura superar o determinismo humoralista presente em várias posições da medicina de sue tempo e atribuir à arte da pregação a competência do cuidado do homem em sua totalidade. Vieira aponta que os efeitos somáticos patológicos da tristeza são descritos no capítulo décimo sétimo do livro dos Provérbios, onde se diz que a tristeza seca os ossos, sendo estes as partes mais sólidas, interiores e duras do “edifício humano”. De modo que acometido pela tristeza, este não tem como se sustentar, pois é ressecada a umidade necessária para o calor vital. E novamente citando as sagradas escrituras (textos da Apocalipse e do Eclesiástico), Vieira descreve o quadro clínico de um sujeito que sofre os efeitos físicos e psicológicos da “melancolia venenosa e oculta, que a passos apressados leva o triste à morte”:<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">"Descorado, pálido, macilento, mirrado; as faces sumidas, os olhos encovados, as sobrancelhas caídas, a cabeça derrubada para a terra e a estatura toda do corpo encurvada, acanhada, diminuída. E se ele se deixasse ver dentro da casa, ou sepultura, onde vive como encantado, vê-lo-íeis fugindo da gente, e escondendo-se à luz, fechando as portas aos amigos, e as janelas ao sol, com tédio e fastio universal a tudo o que visto, ouvido, ou imaginado, pode dar gosto" (1993, p. 765).<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">Segundo Viera, a melancolia, ao se depositar em excesso no coração, provoca nele inúmeras feridas: retomando, sem citar, a teoria galênica de que o coração é órgão central do organismo humano de onde “saem todos os espíritos vitais que se repartem pelos membros do corpo” (p. 766), é possível explicar o motivo pelo qual a tristeza leva à morte. Com efeito, os venenos mortais da melancolia são levados pelos espíritos vitais que saem do coração ao corpo todo e em todas as suas partes produzem feridas que aos poucos se tornam letais:<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">"Ferem a cabeça e perturbando o cérebro lhe confundem o juízo; ferem os ouvidos, e lhes fazem dissonante a harmonia das vozes; ferem o gosto, e lhe tornam amargosa a doçura dos sabores; ferem os olhos, e lhe escurecem a vista; ferem a língua, e lhe emudecem a fala; ferem os braços e os quebrantam; ferem as mãos e os pés, e os entorpecem; e ferindo um por um todos os membros do corpo, nenhum há que não adoeça daquele mal” (1993, p. 766).<br /></div><div style="color: rgb(204, 204, 204);" align="justify">Todavia, os efeitos mais graves da melancolia ocorrem no nível anímico e a morte que ela acarreta na alma é a própria separação de sua vida, ou seja, de Deus. Realiza este efeito criando uma predisposição para o pecado. E citando a doutrina a respeito dos Padres da Igreja, os teólogos Basílio e de João Crisostomo, Vieira explica que “Esta fortíssima e escurissima paixão afoga a lama, e assim como os que padecem vertigens na cabeça caem, assim ela por falta de juízo e conselho faz que caiam os homens no pecado”. (p. 767). De fato, a tristeza impede o bom funcionamento do entendimento e da vontade, provocando, portanto, desordem em todo o dinamismo psíquico. De modo que inclusive na natural busca do remédio, o indivíduo acometido pela tristeza não sabe julgar o que lhe é oferecido como tal, sendo, portanto, mais fácil alvo das tentações do demônio. O valor dos objetos é distorcido, bem como a avaliação das próprias capacidades, de modo que, na busca de alivio, o indivíduo usa de recursos que pioram sua condição e constrói imagens que não correspondem à realidade criando ilusões.<br />Os remédios da “arte de nunca estar triste” sugeridos por Vieira, colocam-se todos no plano anímico-espiritual e se condensam todos na capacidade reflexiva do homem acerca de seu destino “Nestas duas palavras: Quo vadis?, nesta pergunta tão breve e nesta única máxima ou preceito consiste a arte de nunca estar triste” (p. 772). Pois, o homem que faz esta pergunta a si mesmo e “vê que com os passos do tempo, que nunca para, vai sempre caminhando para a sepultura; ou já deixa detrás das coisas, ou mete debaixo dos pés tudo o que costuma entristecer aos que isto não consideram” (p. 774).<br />A perspectiva com que Vieira considera o fenômeno da tristeza mantém grande semelhança com a descrição e interpretação propostas por Dom Duarte no <em>Leal Conselheiro</em>. (1458/1998). Ao mesmo tempo, podemos assemelha-la também à abordagem existencialista, onde a consideração da temporalidade do humano viver molda o juízo acerca de significados, valores e objetivos dados pelo sujeito à sua vivência: este é o remédio eficaz contra os efeitos nocivos da melancolia e, sobretudo, a possibilidade de preveni-los. Com efeito, vimos como segundo a doutrina humoral, os excessos do humor melancólico são causados por vários fatores acentuados pela intemperança dos hábitos. Desse modo, a moderação que nasce do desengano da vaidade humana praticado cotidianamente tendo “diante dos olhos” a própria condição mortal, é a verdadeira medicina. Assim, o indivíduo adquire o verdadeiro conhecimento de si mesmo (“entendam as almas que são almas e que o fim para o qual foram criadas e para onde caminha é o Céu”, p. 790)<br />Nesse sentido, fica clara a tentativa de Vieira reconduzir os desvios psicossomáticos a raízes ontológicas e éticas deslocando assim o campo da Medicina da Alma para aquelas áreas de competências de natureza espiritual e psicológica que pertencem propriamente aos pregadores os quais, como ele mesmo afirma em outro sermão, são os verdadeiros “médicos da alma”.<br />O uso da pregação como exortação ao conhecimento da si mesmo enquanto remédio para a alma, encontra seu modelo num conjunto de Sermões de Antônio Vieira (1993, vol.5), que inclusive irá se constituir num marco de referência para os demais pregadores brasileiros, ao abordar o tema<a style="" title="" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=3333791665965730985#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Trata-se do conjunto de sermões “<em>As Cinco pedras da funda de Davi em cinco discursos morais</em>”, elaborados em 1676. No primeiro dos discursos, Vieira mostra a importância do conhecimento de si mesmo: afirma que, de modo diferente da opinião comum, pela qual “as obras são filhas do pensamento ou idéias, com que se concebem e conhecem as mesmas obras, neste mundo racional do homem, o primeiro móbil de todas as nossas ações é o conhecimento de nós mesmos”. E reitera: “eu digo que são filhas do pensamento e da idéia, com que cada um se concebe, e conhece a si mesmo. O conhecimento de si mesmo, e o conceito que cada um faz de si, é uma força poderosa sobre as próprias ações” (1993, vol. 5, p. 607).<br />Este conhecimento revela a natureza do ser humano: “O Homem é um composto pouco menos que quimérico formado de duas partes tão distantes como lodo e divindade, ou quando menos um sopro dela” (p. 612). Qual será então o verdadeiro conhecimento de si mesmo? Responde Vieira que é aquele capaz de reconhecer a essência do ser do homem, que o diferencia dos demais seres vivos e animados. Neste sentido, afirma que “é conhecer-se e persuadir-se cada um, que ele é a sua alma” (idem). A alma corresponde, portanto, a substância imutável do ser humano: "sou alma, porque o fui, porque o hei-de-ser, porque sou”(p. 607). Por isto, esta é para o ser humano, o melhor espelho de si mesmo. Considerar apenas a parte corporal do homem significa reduzi-lo à mera dimensão animal. Proclama Vieira: “eu sou a minha alma” e, portanto, “quem se conhece pela parte do corpo ignora-se, e só quem se conhece pela parte da alma se conhece” (p. 613). Todavia, esta visão não implica uma negação da corporeidade enquanto elemento constitutivo da pessoa. Com efeito, o pregador justifica suas afirmações baseando-se no ponto de vista da filosofia aristotélico-tomista, segundo o qual a essência de cada ser corresponde ao que ele tem de peculiar com relação aos outros seres. No caso do ser humano, a alma é “o que o distingue e enobrece sobre todas as criaturas da Terra” (idem), ao passo de que o corpo humano não especifica o ser do homem, sendo substancialmente semelhante ao dos demais animais: “quem vê o corpo, vê um animal; quem vê a alma, vê ao homem” (p. 615). Por isto, o pregador-médico da alma que dela tem este conhecimento, “vê o homem” e concorre a este conhecimento com a “luz da doutrina”.<br />Em conclusão, na perspectiva teológica de Vieira exercida através do ministério da pregação, a palavra do pregador, iluminada pela graça divina e pelo testemunho coerente de sua própria vivência, é oferecida como guia seguro, através dos tempos litúrgicos e profanos e das circunstâncias pessoais, sociais e políticas, para todo homem desejoso de aventurar-se no caminho do conhecimento de sua verdadeira natureza e, sobretudo, de sua realização, conforme seu destino último.<br /><br /><strong>Referências Bibliográficas</strong><br /><span style="font-size:130%;">Acquaviva</span>, C. (1600, Ed. 1893) <em>Instructio ad reddendam rationem conscientiae iuxta morem Societatis Iesu</em>: Manuscrito N. 429, Da Opera Nostrorum, Arsi, Folhas 33-42. Em: Institutum, 1893, Vol. 2.<br />ACQUAVIVA, C. 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Porto: Lello e irmão, 1993. 5 volumes.<br /><br /><a style="" title="" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=3333791665965730985#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O fato de que outros pregadores, ao abordarem o tema do conhecimento do homem remetam-se a este conjunto de sermões As cinco pedras de Davi, é documentado, dentre outros, pelo discurso do frade menor frei Joseph dos Santos Cosme e Damião (Lisboa, 1753), da Bahia, que retoma os sermões do grande jesuíta, afirmando que as cinco pedras simbolizam “<em>cinco considerações que deve ter o homem, a saber: o conhecimento de si mesmo, a dor do perdido, o pejo do cometido, o temor do castigo e a esperança do gozo eterno</em>”(p. 316). </div>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/14536516851252027056noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3333791665965730985.post-68603656515773897192009-08-16T18:01:00.000-07:002017-05-01T14:39:45.089-07:00O aristotelismo como tradição originária da filosofia no Brasil<div style="text-align: justify;">
<b style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman';">Luiz Alberto Cerqueira</b><br />
<b style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px;"><br /></b>
<b style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman';"><span style="font-size: x-small;">Notas ao final do texto</span></b></div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<br />
<span style="font-kerning: none;"></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: center;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><b><span style="font-size: large;">1</span></b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;">Para estabelecer um conceito rigoroso de “aristotelismo no Brasil”, refiro-me previamente à <i>Ratio Studiorum</i>, o método pedagógico dos jesuítas introduzido no ensino público em Portugal a partir de 1555 — quando foi confiado à Companhia de Jesus o real Colégio das Artes —, ao qual devemos reportar-nos para saber o que e como era o ensino filosófico no curso de Artes dos colégios jesuítas. Isto porque o primeiro curso de Artes no Brasil Colônia ocorreu nos anos de 1572 a 1575, oferecido pelo colégio jesuíta da Bahia, cuja fundação, juntamente com os colégios de Olinda e do Rio de Janeiro, ocorreu na década de 1560. Desde então, até à reforma pombalina da Universidade, em 1772, o ensino público de disciplinas filosóficas no Brasil seguiu a recomendação oficial da doutrina de Aristóteles[<b>1</b>].</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Não se confunda, entretanto, este aristotelismo, cuja fidelidade a Aristóteles tem um caráter oficial, com a eventual admiração provocada pelo estudo da doutrina aristotélica em qualquer época. Assim, depois que o aristotelismo da <i>Ratio Studiorum</i> foi excluído do ensino público pelas reformas do Marquês de Pombal, vemos o filósofo Silvestre Pinheiro Ferreira publicar na corte portuguesa, então estabelecida no Rio de Janeiro, não só um curso moderno de preleções filosóficas (1813), como também a edição em língua portuguesa das <i>Categorias</i> de Aristóteles (1814) “para uso das <i>Preleções filosóficas</i> do mesmo tradutor”[<b>2</b>].</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Mas, afinal, tem significado filosófico esse aristotelismo oficial? Na versão da <i>Ratio Studiorum</i> de 1565-1570 já são indicadas, nos textos de Aristóteles, as questões que devem ou podem ser omitidas, as que devem ser estudadas apenas sumariamente e as que devem receber maior atenção, o que revela o caráter tutelar da missão educativa institucional sobre o uso teórico da razão. Mas essas indicações não são, de modo algum, aleatórias. No caso da Metafísica, por exemplo, deve observar-se a prioridade dada aos livros I, V, VII, VIII, IX e XII, o que pressupõe não só a preocupação de hierarquizar os conteúdos, mas também uma compreensão da obra de Aristóteles como um todo[<b>3</b>]. Neste sentido, o aristotelismo da <i>Ratio Studiorum</i> pressupõe um conceito da própria filosofia. Mas, qual?</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Se se trata de fé, considero o caráter contemplativo e transcendente da evidência, para além dos limites da experiência, acerca do que sinto como sendo verdadeiro, belo e bom, e por isso mesmo considero que se trata de uma evidência subjetiva não comprovável pelo método matemático-experimental nem por critérios objetivos; se ainda considero o fato de que no âmbito dessa espécie de evidência marcada pela intensidade da emoção e do sentimento não cabe a dúvida, eis porque nas circunstâncias da vida se torna imprescindível que o seu valor seja absoluto. Historicamente, à evidência da fé se contrapôs a evidência de caráter imanente e de valor relativo alcançada pelo método da ciência moderna. Desse modo, historicamente falando, tornou-se necessária — sobretudo a partir das obras e do magistério de humanistas como Erasmo, Juan Luis Vives, Petrus Ramus e Melanchthon — a introdução no ensino público de uma mudança na forma de pensar para estimular e empreender o próprio uso da razão com vistas a evidências de caráter imanente e relativo, contrariamente ao hábito generalizado de ver e entender com base na certeza absoluta. Mas embora tais conceitos de evidência se oponham no plano teórico, as duas instâncias de conhecimento subjetivo e objetivo podem coexistir no plano da ação, ainda que numa luta marcada pela controvérsia. Sem o sentido dessa luta não podemos dar conta da filosofia em sua historicidade. E como prova, refiro-me à história do próprio aristotelismo até à sua consagração oficial na Universidade de Paris, em 1366, quando a Santa Sé impôs aos candidatos à Licenciatura de Artes a obrigação de estudar os mesmos textos aristotélicos tão longamente proibidos pela autoridade religiosa. Suponho, portanto, que a mudança de método na maneira de pensar introduzida pelos “modernos” nada tem a ver contra a admiração suscitada pela doutrina de Aristóteles desde a Antiguidade, senão contra a fidelidade cega.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Desse ponto de vista, julgo necessário um esclarecimento acerca de uma antiga tese de Sílvio Romero, que em estudo pioneiro afirmou, “em virtude da indagação histórica, que a Filosofia, nos três primeiros séculos de nossa existência, nos foi totalmente estranha”[<b>4</b>]. Parece-me claro que, enquanto referência histórica da ideia de filosofia brasileira, essa tese deve ser o ponto de partida para a discussão acerca da significação do aristotelismo em uma História da Filosofia no Brasil. Minha intenção é dupla: (i) combater a concepção historicista da filosofia no Brasil, e (ii) consolidar a ideia, já apresentada no meu livro <i>Filosofia brasileira – Ontogênese da consciência de si</i>, do aristotelismo como tradição originária da filosofia no Brasil.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: center;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><b><span style="font-size: large;">2</span></b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;">Se concebêssemos as ideias filosóficas como fenômenos históricos, cuidando, porém, que na História a evolução segundo a seleção natural também é uma lei, certamente seríamos levados a concordar com Sílvio Romero quanto ao modo de explicá-las pelo critério da descendência dentro da cultura a que os filósofos pertencem enquanto povo. Seu exemplo é o da filosofia alemã: “Kant dá Fichte; este dá Schelling e, por uma razão imanente ao sistema, aparecem, ao mesmo tempo, Hegel e Schopenhauer”[<b>5</b>]. Com base nesse critério, à medida que ele estudava as obras filosóficas de seus conterrâneos constatava que “neste país, ao contrário, os fenômenos mentais seguem outra marcha”, pois, “as ideias dos filósofos, que vou estudando, não descendem umas das outras”[<b>6</b>]. Ora, se o fenômeno filosófico presente deve ser considerado o último elo de uma corrente, como realizar uma História da Filosofia no Brasil se os autores estudados não se conheceram? E mesmo quando, por exceção, se conheceram — considere-se, portanto, que Gonçalves de Magalhães foi aluno de Francisco de Monte Alverne —, se nenhum aproveitou do antecessor? Tal situação se constituiu num dilema.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Teoricamente, o dilema de Sílvio Romero apresenta a seguinte configuração historicista: ou as ideias filosóficas têm a sua origem na história da cultura nacional ou não têm, sendo que, independentemente das hipóteses, a história da filosofia segue a sua marcha para o futuro. Mas a natureza do dilema tem a ver com os instrumentos metodológicos utilizados. No Brasil, a questão sobre o uso de critérios das “ciências naturais”, como o de Darwin, para explicar os fenômenos mentais, só passou a ser discutida criticamente mais tarde, por Farias Brito. Portanto, como Sílvio Romero não se deu conta do problema, parece logicamente compreensível que, uma vez que ele tivesse reconhecido a existência de um processo de recepção da filosofia moderna no Brasil[<b>7</b>], mas, ao mesmo tempo, não encontrando na história da própria cultura brasileira a fonte dessa modernização, ele considerasse importante ressaltar que, em nosso caso, “a fonte [...] é extranacional”[<b>8</b>]. Assim se explica por que Sílvio Romero apontou como premissa de uma História da Filosofia no Brasil a falta de um elo irredimível entre o passado e o presente. E nessa mesma perspectiva historicista, tomando o futuro como a tendência de um processo objetivo e universal (o famigerado “bonde da História”), e considerando que em virtude desse elo perdido por necessidade os estudiosos da filosofia têm que buscar em outras culturas a fonte de sua inspiração, filiando-se a autores estrangeiros, também não surpreende a conclusão de Sílvio Romero de que o fato de a fonte ser extranacional “não é um prejuízo, antes equivale a uma vantagem”[<b>9</b>].</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Como tentativa de superação do dilema romeriano, temos a teoria de Miguel Reale. Para ele, a filosofia no mundo moderno vive da recepção das ideias universais condicionadas ao contexto cultural de cada povo. Vendo de uma maneira muito simplificada, ele substituiu o critério da descendência segundo a seleção natural pelo critério da recepção segundo a preferência. Para tanto, ele se baseou na distinção entre dois sentidos da cultura e na relação de imanência entre eles, ao referir-se à “maneira pela qual cada ‘cultura fundamental’ e, no seio desta, cada ‘cultura nacional’ situam os problemas da filosofia”[<b>10</b>]. Sendo a cultura, neste último sentido, constituída pelas preferências comuns de um povo referidas a causas geográficas, étnicas, linguísticas, como também a conjunturas históricas, no primeiro sentido a cultura seria constituída pelo permanente empenho, de caráter ontológico e universalizante (e por isso mesmo extranacional), de condicionar essas preferências a padrões ou tendências gerais subjacentes ao desenvolvimento histórico[<b>11</b>]. A tarefa específica dos filósofos seria, portanto, a recepção de ideias e problemas universais. Mas o modo de recepção em função da preferência, como fator condicional da experiência e da vida de um povo, é que conferiria o caráter nacional à atividade filosófica.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Embora incensado como o fundador da primeira e única corrente filosófica brasileira — o “culturalismo” —, Miguel Reale manteve a mesma perspectiva historicista de Sílvio Romero. Como primeiro elo de sua corrente ele “descobriu” Tobias Barreto[<b>12</b>], cujo conceito de cultura como antítese da natureza segundo uma causalidade final Reale interpretou como sendo a consolidação da preferência brasileira pelo modo do ser moderno, e pelo futuro da própria filosofia[<b>13</b>], em oposição à preferência portuguesa circunscrita às próprias tradições (o referido “tradicionalismo em Portugal”). Dessa maneira, Reale condenou ao limbo a filosofia no Brasil durante o período colonial[<b>14</b>], no que foi seguido por muitos, principalmente Antônio Paim com sua prestigiosa <i>História das ideias filosóficas no Brasil</i>, logrando, assim, estabelecer a perspectiva historicista como um ponto de vista comum para todo o estudioso da filosofia no Brasil[<b>15</b>].</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">A esta perspectiva historicista eu me oponho. Certa vez, ao tentar esclarecer o conceito do aristotelismo no Brasil, logo fui interrompido — “Mas qual aristotelismo? Em que período?” Sejamos claros: há muitas vantagens em considerar separadamente o plano teórico das ideias, assim como há muitas maneiras de mostrar que essa separação é só de razão. O caráter filosófico das ideias e dos problemas, como se sabe, é o fato de serem universais. Mas tendo em vista a relação entre os universais e o homem particular que os concebe, em que sentido se deve entender que “o caráter universal não exclui que a filosofia seja nacional”? Ao que parece, este corolário de Giovanni Gentile é uma corruptela do famoso argumento de Tomás de Aquino em que este conclui que o caráter abstrato do universal “homem” não exclui a matéria, apenas não inclui as determinações acidentais e circunstanciais do corpo ou matéria assinalada deste homem particular[<b>16</b>]. Ora, parafraseando o argumento original: se a universalidade das ideias não exclui o “eu penso”, mas apenas não inclui as minhas determinações particulares enquanto sujeito de ideias (nomeadamente: a cultura nacional), então posso concluir com maior precisão e rigor que o caráter universal das ideias filosóficas, isto é, o modo como são concebidas, é <i>indiferente</i> ao contexto e à nacionalidade de quem as concebe. Em outras palavras: <i>a exigência de universalidade nas ideias filosóficas não impede o conhecimento particular de si mesmo como povo dentro de um contexto histórico e condicionado à circunstância da cultura nacional, mas a recíproca não é verdadeira</i>. Assim, à medida que a filosofia se emancipou da tutela da teologia, ficando o problema da relação entre a fé e a razão exclusivamente para a teologia, estabeleceu-se desde então um novo ideal de conhecimento dentro das diferentes culturas modernas. Este ideal é a ciência universal e objetiva, como a entendemos desde a “revolução científica” empreendida pelos físicos modernos. E foi ao abrigo da ciência do homem moderno, assimilada como tendência, que Sílvio Romero passou a combater o caráter transcendente e contemplativo do antigo ideal de conhecimento na cultura brasileira, afirmando, por exemplo, que a poesia, assim como a religião, “perdeu todos os ares de mistério, depois que a ciência do dia imparcial e segura penetrou, um pouco mais amplamente, no problema das origens”[<b>17</b>]. Até aí estou de acordo. Mas a circunstância histórica do seu uso da ciência como instrumento de combate contra o “atraso” da filosofia no Brasil, então denunciado por Tobias Barreto[<b>18</b>], o impediu de ver que o critério genético de Darwin, baseado na relação de causa-e-efeito, só se aplica no domínio da natureza, e não no domínio da cultura e das ideias, no qual prevalece a causalidade final subordinada não só ao entendimento, mas sobretudo ao desejo.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Não sei qual o propósito de tentar justificar o injustificável. Afinal, o que seria uma preferência cultural brasileira por uma postura “mais crítica, pessimista e cética”[<b>19</b>], enquanto se manteve a filosofia tutelada no Brasil? Quando eu disse que o aristotelismo português configura-se como um meio exclusivo, uma porta independente, pela qual tanto se pode chegar à filosofia medieval e daí à filosofia antiga, como se pode chegar à filosofia moderna e daí à filosofia contemporânea[<b>20</b>], usei ‘meio exclusivo’ para referir-me ao peculiar significado que esse estudo pode acrescentar à formação filosófica no Brasil de hoje. Peculiaridade esta que faz do aristotelismo da <i>Ratio Studiorum</i> a condição de possibilidade da emancipação da filosofia no Brasil.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Defendo um conceito de filosofia brasileira que implica o aristotelismo da <i>Ratio Studiorum</i> como sendo a sua condição. Do ponto de vista histórico, o que defendo é pouco. Mas supondo a filosofia como a tentativa do homem de colocar-se acima de sua condição, de ver a sua condição fora de si mesmo, esse pouco é tudo.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: center;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><b><span style="font-size: large;">3</span></b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;">Ao final da década de 1980, meu ponto de partida para o estudo do aristotelismo no Brasil foi a necessidade de distinguir o conceito de aristotelismo português do uso equívoco de ‘Segunda Escolástica Portuguesa’ na proposição de que a “Segunda Escolástica Portuguesa [...] logrou estabelecer o mais completo isolamento em relação ao pensamento moderno”[<b>21</b>]. A equivocidade me parece evidente na medida em que o nome exprime pelo menos dois sentidos diferentes para significar a mesma coisa, sendo que num sentido a Segunda Escolástica Portuguesa é criadora (o “período barroco”) e noutro (o período “escolástico propriamente dito”) não é[<b>22</b>]. Mas o meu interesse não foi despertado apenas pela observação lógica, nem somente pelo interesse estrito no estudo da filosofia no Brasil. Na verdade, eu não vejo qual a necessidade de cavar um abismo entre a filosofia moderna e o aristotelismo conimbricence do século XVI.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Não tenho dúvida de que a entrada da Companhia de Jesus em Portugal, assim como o seu encargo oficial de administrar o real Colégio das Artes criado pelo Rei D. João III junto à Universidade de Coimbra, são fatos que se explicam no contexto da Contrarreforma, e que nesse contexto as antigas teses escolásticas não se misturam com ideias modernas. Nesse contexto, os inacianos logo assumiram posição de defesa da teologia filosófica tomista contra as teses dos reformadores Lutero e Calvino. Mas se é verdade que a Companhia de Jesus teve papel destacado na Contrarreforma, também é verdade que mestres jesuítas se destacaram como verdadeiros filósofos. Basta lembrar a querela “<i>de auxiliis</i>” sobre a possibilidade de conciliar a presciência e a predestinação divinas com a exigência humanística da liberdade de arbítrio como princípio de dignidade do homem. Em outras palavras: se tudo que acontece está previsto na mente do Criador, qual é o mérito do homem na ação moral?[<b>23</b>] O fato é que da participação dos mestres jesuítas na querela resultou a famosa doutrina que recebeu o nome de ciência média (<i>scientia media</i>), cuja autoria se atribui a Luis de Molina[<b>24</b>]. Cabe aqui também chamar a atenção para o significado dos <i>Conimbricenses</i> na história da filosofia. Considerado com vistas à filosofia moderna, o pensamento dos mestres de filosofia do Colégio das Artes, especialmente Pedro da Fonseca, ganha um novo colorido e um novo valor. Isto pode ser verificado mais facilmente nos dias de hoje. Com rigor e elegância, Amândio Coxito nos mostra, por exemplo, que, antes mesmo de Descartes, o problema do método ocupa uma posição significativa tanto em Pedro da Fonseca como nos <i>Conimbricenses</i>[<b>25</b>]; e que ao adotar a metodologia da lógica tópica, Fonseca revela, em sua atitude, “um certo fundo de ceticismo”, bem como os seus débitos para com o espírito da filosofia renascentista[<b>26</b>]. Da mesma forma, António Martins, em seus estudos sobre os <i>Commentariorum in libros metaphysicorum Aristotelis</i>, de Pedro da Fonseca, nos mostra a relevância do pensamento deste autor em face do moderno conceito da liberdade[<b>27</b>]. A publicação on-line do Curso Conimbricense e do Comentário ao ‘<i>De Anima</i>’ de 1598, além da tradução portuguesa deste Comentário, são iniciativas recentes do Departamento de Filosofia da Universidade de Coimbra que confirmam o dinamismo nessa área de estudos.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Além da “Segunda Escolástica Portuguesa”, outra concepção confusa que nada acrescentou à pesquisa filosófica, mas que continua causando prejuízos ao conhecimento da formação filosófica no Brasil, é a do “saber de salvação”. Em que consiste? Segundo Antônio Paim, o “elemento definidor consiste no <i>desprezo do mundo</i> [...] aqui identificado sobretudo com a dimensão corpórea, na qual se integra o próprio homem. Concebe-se a este como ser corrompido precisamente em decorrência da circunstância”[<b>28</b>]. E qual o prejuízo gerado por esta concepção? Isto me parece evidente, quando se alega, contra a visão de mundo durante o “período do catolicismo barroco”, uma inconsistência ou contradição entre o plano das ideias e o plano da ação, tomando-se a “visão salvacionista do mundo” como pressuposto. A principal vítima deste enfoque caviloso é o Padre Antônio Vieira[<b>29</b>], sobre quem já afirmei, e ratifico, que se se justifica um interesse filosófico em seus textos, isto não se deve às questões nem aos problemas por ele suscitados no intuito de converter os homens à religiosidade cristã e católica, senão à universalidade de suas concepções ao pensar tais questões e problemas na perspectiva exegética e hermenêutica dos <i>Conimbricenses</i>.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Dentro de uma cultura em que a formação moral dependia exclusivamente da conversão religiosa, Vieira empenhou-se em provar que as ações verdadeiramente eficazes e meritórias implicam o conhecimento de si. Segundo Vieira, não se compreende o conhecimento de si, como um saber específico, dissociado da virtude enquanto a firme disposição a querer e praticar aquilo que se apreendeu pelo entendimento, de modo a fazer de si mesmo um ente poderoso, belo e bom:</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">“Neste mundo racional do homem, o primeiro móbil de todas as nossas ações é o conhecimento de nós mesmos [...] Todos comumente cuidam, que as obras são filhas do pensamento ou idéias, com que se concebem e conhecem as mesmas obras: eu digo que são filhas do pensamento e da idéia, com que cada um se concebe, e conhece a si mesmo [...] A imagem mais perfeita, a proporção mais ajustada, e medida mais igual da obra, é o conhecimento de si mesmo em quem a faz [...] Quando Davi se pôs em campo contra o Golias, Saul desconfiava da vitória, e Davi não: e por quê? Porque Saul media a Davi com o Gigante, e Davi media-se a si consigo mesmo [...] Sendo pois o conhecimento de si mesmo, e o conceito que cada um faz de si uma força tão poderosa sobre as próprias ações” (As Cinco Pedras da Funda de Davi, I).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Mas o que tem a ver a conversão com o conhecimento de si? “Que coisa é a conversão de uma alma”, explica ele, “senão entrar um homem dentro em si, e ver-se a si mesmo?” (Sermão da Sexagésima, III):</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">“ao homem que se ignora, se lhe mande que saia [...] Mas, donde há de sair? Do corpo [...] enquanto o homem não sai do corpo, ignora-se, e só quando sai dele se conhece [...] para que o homem se conheça, há de entrar em si mesmo; e este sair de si, é entrar em si; porque é sair do exterior do homem, que é o corpo, e entrar e penetrar o interior dele, que é a alma.” (As Cinco Pedras da Funda de Davi, II)</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Vieira não tem dúvidas: “Eu sou a minha alma” (<i>idem</i>, IV). E o que significa ‘alma’, senão, basicamente, a memória, o entendimento e, sobretudo, a vontade, que é maior que o entendimento? Por isso mesmo, é pelo corpo e pelo apetite movendo a vontade que o homem se engana, erra e peca. “Almas, almas, vivei como almas”, diz Vieira, “se conheceis que a alma é racional, governe a razão, e não o apetite” (<i>idem</i>, V). Portanto, à conversão enquanto possibilidade do desengano, e forma da salvação das almas, corresponde um saber específico: o conhecimento de si em separado do corpo. Esta separação, entretanto, nada tem a ver com “desprezo do mundo”, senão com aquilo que já fora concebido pelos gregos: a liberdade da alma alcançada em vida pelo uso da razão:</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">“ainda que o homem verdadeiramente é composto de corpo e alma, quem se conhece pela parte do corpo ignora-se, e só quem se conhece pela parte da alma se conhece [...] tratava São Paulo o seu corpo, como se não fora parte sua, senão um escravo rebelde, e como tal o castigava, e domava a açoites [...] e como tal suspirava por se desapegar, e livrar-se dele [...]separemos [...] ao senhor do escravo [...] vivamos como almas separadas. As nossas almas todos sabem que têm dois estados, um nesta vida de alma unida ao corpo, outro depois da morte, que é e se chama de alma separada. Este segundo estado é muito mais perfeito; porque, livre a alma dos embaraços e dependências do corpo, obra com outras espécies, com outra luz, com outra liberdade [...] se a morte há de fazer por força esta separação, por que a não faremos nós por vontade? Por que não fará a razão desde logo, o que a morte há de fazer depois? Oh que vida! Oh que obras seriam as nossas tão outras do que são!” (<i>Idem</i>, II-IV)</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Cumpre observar, ademais, que o conhecimento de si em Vieira não constitui um fim em si mesmo, senão uma disposição para o modo mais perfeito da existência humana: a sociabilidade. Neste aspecto, ele não se afasta da doutrina aristotélico-tomista, segundo a qual o conhecimento não é princípio de ação se não se acrescenta uma inclinação para produzir o efeito, e essa inclinação é a vontade indiferente ao próprio apetite: “Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós queremos, e não havemos de querer o que elas dizem?” (Sermão da sexagésima). Desse modo, é pela indiferença na vontade que uma alma se obriga a fins em vista do bem comum, transformando-se a obrigação em essência do homem moral; e é pelo dever (<i>officium</i>) no agir que o hábito se transforma em natureza do homem moral; é desse modo, enfim, que a manifestação da indiferença na vontade significa a evidência, conforme a ética aristotélica, de que o próprio bem se reveste de um caráter mais belo e divino quando beneficia a sociedade:</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">“Bom era que nos igualáramos todos: mas como se podem igualar extremos que têm a essência na mesma desigualdade? Quem compõe os três estados do Reino, é a desigualdade das pessoas. Pois como se hão de igualar os três estados, se são estados porque são desiguais? Como? Já se sabe que há de ser: <i>Vos estis sal terrae</i>. O que aqui pondero é que não diz Cristo aos Apóstolos: Vós sois semelhantes ao sal; senão: <i>Vos estis</i>. Vós sois sal. Não é necessária Filosofia para saber que um indivíduo não pode ter duas essências. Pois se os Apóstolos eram homens, se eram indivíduos da natureza humana, como lhes diz Cristo que são sal: <i>Vos estis sal</i>? Alta doutrina de estado. Quis-nos ensinar Cristo Senhor nosso, que pelas conveniências do bem comum se hão de transformar os homens, e que hão de deixar de ser o que são por natureza, para serem o que devem ser por obrigação [...] porque o ofício há-se de transformar em natureza, a obrigação há-se de converter em essência, e devem os homens deixar o que são, para chegarem a ser o que devem. Assim o fazia o Batista, que, perguntado quem era, respondeu: <i>Ego sum vox</i>: Eu sou uma voz. Calou o nome da pessoa, e disse o nome do ofício” (Sermão de Santo Antonio, de 1642).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Finalmente, cumpre ressaltar o caráter transcendente e contemplativo dessa indiferença na vontade como expressão de liberdade. Em pregação à Irmandade dos Pretos de um Engenho de açúcar na Bahia, Vieira compara a situação dos escravos ao martírio de Cristo. O teor do sermão é o seguinte: “Todos querem [...] ser glorificados com Cristo; mas não querem padecer, nem ter parte na Cruz com Cristo” (Sermão XIV, da série Maria Rosa Mística). Dessa forma, pregava ele que, embora escravizado e vivendo em promiscuidade numa realidade “que é uma semelhança de inferno”, o negro africano poderia converter o “inferno” em “paraíso”. E como alcançaria isto senão pela conversão de si mesmo mediante o conhecimento de si e vivendo como “alma separada”, fazendo sua a vontade de Deus, a exemplo de Cristo no Calvário. Pois se é pelo corpo que o homem padece o que não quer, é pelo conhecimento de si como alma que ele se liberta da dor e se salva do “inferno”. Eis como Vieira se dirige aos negros escravizados no Engenho enquanto cristãos, isto é, no mesmo sentido em que ele considera cristão “todo o homem que tem a fé e conhecimento de Cristo, de qualquer qualidade, de qualquer nação, e de qualquer cor” (<i>idem</i>, V):</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">“Começando pois pelas obrigações que nascem do vosso novo e tão alto nascimento, a primeira e maior de todas é que deveis dar infinitas graças a Deus por vos ter dado conhecimento de si [...] quis Deus que nascessem à Fé debaixo do signo da sua Paixão, e que ela, assim como lhe havia de ser o exemplo para a paciência, lhe fosse também o alívio para o trabalho [...] Que tem que ver a liberdade de uma ave com penas e asas para voar, com a prisão do que se não pode bulir dali por meses e anos, e talvez por toda a vida? [...] se não só de dia, mas de noite vos virdes atados a essas caldeiras com uma forte cadeia, que só vos deixe livres as mãos para o trabalho, e não os pés para dar um passo; nem por isso vos desconsoleis e desanimeis; orai e meditai os mistérios dolorosos, acompanhando a Cristo [...] Oh quem me dera asas como de pombas para voar e descansar! E estas são as mesmas que eu vos prometo no meio dessa miséria [...] porque é tal a virtude dos mistérios dolorosos da Paixão de Cristo para os que orando os meditam [...] que o ferro se lhes converte em prata, o cobre em ouro, a prisão em liberdade, o trabalho em descanso, o inferno em paraíso, e os mesmos homens, posto que pretos, em Anjos.” (<i>Idem</i>, VI-VIII)</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal; text-align: center;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><b><span style="font-size: large;">4</span></b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;">A título de conclusão, reitero o que afirmei acima: defendo um conceito de filosofia brasileira que implica o aristotelismo da <i>Ratio Studiorum</i> como sendo a sua condição. Não há outra condição. E sem ela não há como entendermos o sentido da filosofia emancipada no Brasil, correspondendo ao empenho de autores como Gonçalves de Magalhães, Tobias Barreto e Farias Brito, ainda no século XIX. Neste sentido, o aristotelismo é a tradição originária da filosofia no Brasil.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; font-size: 12px; line-height: normal; min-height: 15px;">
<span style="font-kerning: none;"></span><br /></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><b><span style="font-size: large;">Notas</span></b></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;"><span style="font-size: 12px;">[</span><b>1</b>] Regras do Prefeito dos Estudos: “nº 30. <i>Quais livros devem ser usados</i>.<i> </i>— Aos alunos de teologia e filosofia não lhes permita quaisquer livros, mas somente alguns determinados, aconselhados pelos professores com o conhecimento do Reitor: a saber (…) a <i>Suma</i> de Santo Tomás para os de teologia, e de Aristóteles para os de filosofia (…) Regras do Professor de Filosofia: “nº 2. <i>Como seguir Aristóteles</i>.<i> </i>— Em questões de alguma importância não se afaste de Aristóteles, a menos que se trate de doutrina oposta à unanimemente recebida pelas escolas, ou, mais ainda, em contradição com a verdadeira fé. <<a href="http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2013/02/ratio-studiorum.html"><span style="-webkit-font-kerning: none; line-height: normal;">http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2013/02/ratio-studiorum.html</span></a>>. Status: 17/09/2016.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>2</b>] Cf. na Internet: <<a href="http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or1379818/or1379818.pdf"><span style="-webkit-font-kerning: none; line-height: normal;">http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/or1379818/or1379818.pdf</span></a>>. Status: 17/09/2016.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>3</b>] António Manuel Martins, A Recepção da Metafísica de Aristóteles na Segunda Metade do Século XVI. In: CERQUEIRA, L. A. (org.), <i>Aristotelismo Antiaristotelismo Ensino de filosofia</i>. Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2000, p. 93-109. Internet: <<a href="http://coloquiolusobrasileiro.blogspot.com.br/2008/07/recepo-da-metafsica-de-aristteles-na.html"><span style="-webkit-font-kerning: none; line-height: normal;">http://coloquiolusobrasileiro.blogspot.com.br/2008/07/recepo-da-metafsica-de-aristteles-na.html</span></a>>. Status: 17/09/2016.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>4</b>] Sílvio Romero, <i>A filosofia no Brasil</i>, de 1878 (ROMERO, 1969, p. 7). Internet: <<a href="http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2011/07/nota-inicial-o-titulo-deste-pequeno.html"><span style="-webkit-font-kerning: none; line-height: normal;">http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2011/07/nota-inicial-o-titulo-deste-pequeno.html</span></a>>. Status: 17/09/2016.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>5</b>] <i>Idem</i>, p. 33.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>6</b>] <i>Ibidem.</i></span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>7</b>] A consciência desse processo de recepção de ideias já se encontra em Francisco de Monte Alverne (1784-1858), onde ele se refere à necessidade histórica de o intelectual brasileiro emancipar o próprio pensamento, observando que a “instrução pública nessa época [1807] era muito circunscrita. A metrópole não queria homens sábios nas suas colônias: era à custa de esforços inauditos, que os brasileiros podiam distinguir-se. Restava um meio fácil de promover o nosso adiantamento, o estudo da língua francesa”. Internet: <<a href="http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2010/12/discurso-preliminar-obras-oratorias.html"><span style="-webkit-font-kerning: none; line-height: normal;">http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2010/12/discurso-preliminar-obras-oratorias.html</span></a>>. Status: 17/09/2016. </span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">Aluno de Monte Alverne em curso de filosofia no Rio de Janeiro, Gonçalves de Magalhães transformou o que era um simples atalho em estrada comum para a modernização cultural: foi estudar em Paris e lá assimilou o romantismo, e fez a reforma da literatura brasileira; também assimilou o espiritualismo francês, e fez a crítica do espírito contemplativo no Brasil. Internet: <<a href="http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2009/04/goncalves-de-magalhaes-como-fundador-da.html"><span style="-webkit-font-kerning: none; line-height: normal;">http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2009/04/goncalves-de-magalhaes-como-fundador-da.html</span></a>>. Status: 17/09/2016.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>8</b>] Cf. Sílvio Romero, <i>idem</i>, <i>ibidem</i>.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>9</b>] <i>Idem, ibidem</i>.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>10</b>] Miguel Reale, A Filosofia na Cultura Brasileira, de 1980; <i>in</i>: <i>Estudos de filosofia brasileira</i>. Lisboa: Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, 1994, p. 31-32.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>11</b>] “A essa luz, cada Nação [...] tornando patentes as suas potencialidades criadoras [...] pode ser representada por determinadas personalidades-modelo [...] como, por exemplo, no caso da Inglaterra, seriam Francis Bacon, David Hume ou Bertrand Russel, a cujos nomes correspondem, de maneira prevalecente, embora não exclusiva, diretrizes empírico-relativistas que se compõem com um eticismo aberto ao <i>humour</i> e à tolerância” (<i>ibidem</i>).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>12</b>] A ideia do culturalismo foi desenvolvida por Miguel Reale ao longo de 40 anos. Seu primeiro estudo, denominado O Culturalismo na ‘Escola do Recife’, é de 1950.<i> </i>Uma década mais tarde, ele formulou sua orientação teórica do seguinte modo: “Universalidade dos problemas, por conseguinte, e condicionalidade histórica dos problemas, eis duas coordenadas inamovíveis do pensamento filosófico. Varia, assim, através do processo histórico, o condicionamento dos problemas universais, bem como o estilo de vida ligado essencialmente à pessoa do filósofo e ao complexo de fatos e valores culturais em que se situa, assistindo razão a Giovanni Gentile quando diz que o caráter universal não exclui que a filosofia seja nacional” (cf. A Filosofia como Autoconsciência de um Povo (1961), <i>Estudos de filosofia brasileira</i>, p. 15). No ano seguinte, ele fala da condicionalidade histórica dos problemas em termos da “<i>maneira pela qual se operou entre nós a recepção das idéias</i> [...] se não queremos nos contentar com a sucessão extrínseca das teorias, analisando-as em seus puros valores abstratos e formais, é mister correlacioná-las com as circunstâncias histórico-culturais que condicionaram, pelo menos em parte, a sua recepção” (cf. Momentos Olvidados do Pensamento Brasileiro (1962), idem, pp. 74 e 76). Em 1980, ele publica “A Filosofia na Cultura Brasileira”. Finalmente, em 1990, ele assim se manifesta “Foi em 1950 [...] que [...] apreciei pela primeira vez o pensamento de Tobias Barreto [...] Estava longe de imaginar, naquela época, que esse pequeno ensaio iria ter desdobramento em vários sentidos, até o ponto de dar origem ao “<i>culturalismo</i>”, talvez a única corrente filosófica brasileira constituída na imanência de nossas circunstâncias, não obstante se achar vinculada a múltiplas fontes do pensamento europeu” (cf. A Cultura no Pensamento de Tobias Barreto (1990), <i>idem</i>, p. 113).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>13</b>] “Refletiu ele, nesse passo, o movimento geral de ideias dominantes em meados do século XIX, quando do próprio bojo do materialismo partia a reação contra [...] os pressupostos dogmáticos do materialismo [...] voltando a inquietar [...] problemas [...] relativos à [...] necessidade de distinguir-se o <i>físico</i> e o <i>psíquico</i>, o mundo da <i>matéria</i> e o do <i>espírito</i>” (cf. O Culturalismo na “Escola do Recife”, <i>idem</i>, p. 104).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>14</b>] Segundo Miguel Reale, “há na cultura lusíada duas tendências que de certa forma se contrabalançam ou se completam: uma ligada [...] à tradição aristotélico-tomista [...] a outra, de caráter empírico-positivo [...] À primeira corrente pertencem os grandes comentários de Pedro da Fonseca [...] à segunda corresponde o admirável <i>Quod nihil scitur</i> de Francisco Sanches [...] É possível encontrar entre os moralistas do período colonial, ou em escritos de natureza política, alguns traços de empirismo [...] mas é, sem dúvida, a orientação escolástica que prevalece, sem se esquecer que já no século XVII o escolasticismo português descambava para mero verbalismo vazio, destituído de interesse especulativo” (cf. Momentos Olvidados do Pensamento Brasileiro (1962), <i>idem</i>, p. 80).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>15</b>] Segundo Antônio Paim: “A filosofia brasileira, embora visceralmente ligada à portuguesa, seguiu uma linha autônoma [...] As razões profundas dessa diversidade encontram-se no peso que se atribuiu àquela herança místico-religiosa no momento da Independência. A elite da nova nação se tinha heranças a preservar estas consistiam no legado iluminista do momento pombalino [...] Essa circunstância reduz muito o interesse pelo pensamento filosófico na Colônia” (cf. <i>História das ideias filosóficas no Brasil</i> (1ª ed. 1967, 267 páginas; 5ª ed. 1997, 760 páginas). São Paulo: Convívio, 1987, pp. 203 e 205).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>16</b>] Trata-se do problema tomasiano da individuação, a <i>materia signata quantitate</i> (cf. <i>O ente e a essência</i>, II; ed. Vozes, p. 19).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>17</b>] Cf. <i>Cantos do fim do século</i> (poesias, 1878), Prólogo.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>18</b>] Depois de ler o livro de José Soriano de Souza, <i>Lições de filosofia elementar, racional e moral</i> (Recife: Livraria Acadêmica, 1871), Tobias Barreto fez o seguinte comentário: “O ilustre doutor [doutorado em Filosofia por Louvain e professor de filosofia de um dos mais importantes colégios da região, o Ginásio Pernambucano] ainda julga que a sociedade moderna é teatro das velhas contendas entre a razão e a fé [...] O Dr. Soriano está muitíssimo atrasado [...] no meio do triunfo geral da ciência moderna [...] a questão filosófica mais inquietante, se não a de maior alcance, tem sido levantada sobre a própria essência e limites da filosofia” (cf. O Atraso da Filosofia no Brasil (1872); obra citada, pp. 165 e 169).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>19</b>] “No Brasil da época [período do catolicismo barroco], era mais importante enfrentar uma situação existencial inquietante do que comentar textos filosóficos da tradição clássica [...] O aristotelismo português nem sequer chegou a se estabelecer aqui, deixando todo o espaço disponível para uma postura mais crítica, pessimista e cética, que apresenta analogias com a filosofia sanchista e não com o comentário tomista ao estilo de Fonseca” (cf. Paulo Roberto Margutti Pinto, O Padre Antônio Vieira e o Pensamento Filosófico Brasileiro. <i>Síntese</i><b> – </b><i>Revista de Filosofia</i>, v. 35, nº 112 (2008), p. 184-185).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>20</b>] Cf. <i>Filosofia brasileira – Ontogênese da consciência de si</i>. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 37-38.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>21</b>] Antônio Paim, <i>História das ideias filosóficas no Brasil</i>, ed. cit., p. 21.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>22</b>] <i>Idem</i>, p. 205-206. Ainda recentemente: “O Período do Catolicismo Barroco, que vai de 1560 a 1808, correspondeu aproximadamente à Segunda Escolástica Portuguesa, mas dela se diferencia...” (cf. Paulo Roberto Margutti Pinto, <i>idem</i>, p. 180).</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>23</b>] Em seu <i>De libero arbitrio</i> (1439), Lorenzo Valla se propôs examinar se a presciência divina é incompatível com a liberdade humana de arbítrio, e concluiu pela necessidade da fé como fundamento da certeza; em seu <i>Libri quinque</i> d<i>e facto, de libero arbitrio et de praedestinatione</i> (1520), Pomponazzi defendeu a tese de uma intervenção arbitrária de Deus; Erasmo de Roterdam, por sua vez, na obra <i>De libero arbitrio</i> (1524) tentou evitar os desvios dos reformadores, procurando uma mediação entre a Reforma e a Contrarreforma. Em resposta a Erasmo, Lutero publicou <i>De servo arbitrio</i> (1525), onde ressalta o poder do Criador de transformar de fato e de direito o livre-arbítrio da criação em servo-arbítrio das criaturas, de maneira que o homem tenderia naturalmente a perder o sentido absoluto da liberdade da criação, porque ao desaparecer sua semelhança com o Criador, em consequência das limitações impostas pela própria natureza, transformar-se-ia o <i>filius Dei</i> em <i>servus Dei</i>.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>24</b>] Luis de Molina (1535-1600) ensinou filosofia nas universidades de Coimbra e de Évora. Em sua <i>Concordia</i> (Lisboa, 1588), a denominação <i>scientia media</i> deve-se a duas razões: não só porque medeia entre as duas categorias da teoria do conhecimento estabelecida desde Tomás de Aquino, a “ciência natural” e a “ciência livre”, mas também porque compartilha de características de cada uma delas, vindo depois da “ciência natural” e antes da “ciência livre”.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>25</b>] Amândio Coxito, Método e Ensino em Pedro da Fonseca e no Curso Conimbricense. <i>Estudos sobre filosofia em Portugal no século XVI</i>. Lisboa: INCM, 2005, p. 121-154.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>26</b>] “O fato é que o ideal de uma ciência perfeita deduzida de princípios absolutamente certos é dificilmente realizável. Fonseca reconhece-o quando confessa que ‘não é fácil nem frequente perceber os princípios próprios das coisas’; e noutro passo escreve que o ‘lugar’ das causas (pelo qual se descobre o termo médio no argumento demonstrativo) é ‘acessível a poucos’, pelo que muitas ciências ficariam empobrecidas se fossem esvaziadas dos seus conteúdos prováveis. Está aqui implícito o reconhecimento de que a maior parte do saber humano tem por objeto matérias controversas, quer dizer, questões que não permitem uma solução dogmática”. Cf. Amândio Coxito, Pedro da Fonseca: A Lógica Tópica, <i>idem</i>, p. 207.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>27</b>] “Importa salientar aqui o contraste estabelecido por Fonseca, no contexto do terceiro uso de ‘contingente’, entre os domínios da ‘natureza’ e da ‘liberdade’. Qual é o princípio que permite escapar à necessidade que regula tudo quanto acontece na natureza? Esse princípio é, claramente, a razão (<i>ratio</i>) no exercício efectivo de todas as suas potencialidades. Assim, não basta ser dotado de razão no sentido de ter as capacidades com que geralmente é dotada a espécie humana. É preciso ter capacidade de usar efectivamente esta razão para podermos falar de actos verdadeiramente livres. O texto de Fonseca não deixa dúvidas [...] A verdadeira liberdade, aquela que pode responsabilizar-se pelas suas decisões e permite, portanto, que se fale de mérito ou demérito do agente livre ‘postula o uso da razão’ e o ‘poder de controlar os seus actos’ (<i>dominium</i>) [...] O que distingue estes agentes é o facto de não estarem totalmente sujeitos às causas naturais, mas serem ‘agentia per intellectum’. Em contraposição, no domínio dos chamados ‘agentes puramente</span><span style="-webkit-font-kerning: none; -webkit-text-stroke-color: rgb(41, 48, 59); color: #29303b;"> </span><span style="font-kerning: none;">naturais’ a necessidade impera” (cf. António Manuel Martins, Liberdade como Princípio em Pedro da Fonseca). Internet: <<a href="http://iseminariofariasbrito.blogspot.com/2008/06/liberdade-como-princpio-em-pedro-da.html"><span style="-webkit-font-kerning: none; line-height: normal;">http://iseminariofariasbrito.blogspot.com/2008/06/liberdade-como-princpio-em-pedro-da.html</span></a>>. Status: 18/09/2016.</span></div>
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="font-kerning: none;">[<b>28</b>] Cf. Antônio Paim, ob. cit., ed. cit., p. 25.</span></div>
<br />
<div style="-webkit-text-stroke-color: rgb(0, 0, 0); -webkit-text-stroke-width: initial; font-family: 'Times New Roman'; line-height: normal;">
<span style="-webkit-font-kerning: none;">[<b>29</b>] “[O jesuíta Antônio Vieira] assume dois pesos e duas medidas para resolver algumas das questões mais candentes da sociedade colonial: para os negros africanos, o mais adequado é a escravidão; para os indígenas, o mais adequado é a conversão [...] Vieira simplesmente ignora sua defesa da igualdade dos seres humanos” (cf. Paulo Roberto Margutti Pinto, Aspectos da Visão Filosófica de Mundo no Brasil do Período Barroco (1601-1768). In: WRIGLEY, M. B. & SMITH, P. J. (orgs.). <i>O filósofo e sua história. Uma homenagem a Oswaldo Porchat</i>. Campinas: UNICAMP, CLE, 2003, p. 353). Ou ainda: “Vieira parece ter experimentado — mais do que qualquer outro contemporâneo — a contradição performativa entre seus ideais ético-religiosos e a moral degradada que caracterizava a Colônia. Isso está bem expresso na falta de consistência [...] entre suas críticas ao comportamento dos colonos e sua defesa da escravidão africana [...] o viver em contradição reforça em Vieira a constatação de que a verdadeira realidade se encontra para além deste mundo interesseiro e egoísta. Nessa perspectiva, o salvacionismo de Vieira é tão intenso” (cf. Paulo Roberto Margutti Pinto, O Padre Antônio Vieira e o Pensamento Filosófico Brasileiro. <i>Síntese</i><b> – </b><i>Revista de Filosofia</i>, v. 35, nº 112 (2008), p. 182).</span></div>
<div>
<span style="font-kerning: none;"><br /></span></div>
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CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/14536516851252027056noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3333791665965730985.post-43263211475664585462009-08-16T17:19:00.000-07:002010-06-18T12:11:33.749-07:00A Mente e o Conhecimento de si em Tomás de Aquino<span style="font-weight: bold; color: rgb(204, 204, 204);">Leonardo Almada</span><span style="color: rgb(204, 204, 204);"> </span><span style="font-weight: bold; color: rgb(204, 204, 204);">(Cefib/Unesp)</span><br /><br /><div style="text-align: justify; color: rgb(204, 204, 204);">Intitulada <i>De Mente, in qua est Imago Trinitatis</i>, ou seja,<i> Sobre a mente, na qual está a imagem da Trindade Divina</i>, a décima das <i>Questões Discutidas sobre a Verdade</i>, de Tomás de Aquino, é sem dúvida parte integrante de um dos momentos mais marcantes da história da filosofia no Ocidente, inclusive, e sobretudo, por sua capacidade de lançar luz sobre a constante e reiterada tentativa de formulação de uma ciência do espírito. Sob esse ponto de vista em particular, cumpre ressaltar a significação dos artigos I, II e III, em cuja intenção de pesquisa da natureza da mente está claramente suposta a concepção agostiniana segundo a qual é a mente uma conjunção harmônica de memória, inteligência e vontade. Tal compreensão, que, como sabemos, remete ao <i>De Trinitate</i> de Agostinho, é também essencial para a fundamentação do modelo de mente que perpassará, quase sem alterações, a filosofia moderna, como comprovam as teses modernas que atribuem os aspectos perceptivos, cognitivos, afetivos e morais da vida humana à mente, ou mesmo as que definem o espírito ou consciência como inteligência e liberdade. A questão que dá origem a suas indagações é a seguinte: a mente, que é sede da imagem da Trindade, é a própria essência da alma ou uma de suas potências? Esta questão, também levantada <st1:personname productid="em sua Suma Teol?gica" st="on">em sua <i>Suma Teológica</i></st1:personname>, apresentar-se-á, em linhas gerais, de acordo com a seguinte resolução: na mesma medida em que congrega em si a memória, a inteligência e a vontade, ou seja, na mesma medida em que conjuga apenas os aspectos cognitivos, perceptivos, afetivos e morais do homem, é a mente uma das potências ou um dos conjuntos potenciais da alma. Inserindo-se claramente no agostinismo que perpassa o aristotelismo medieval, Tomás considera o intelecto como a parte superior da mente e, por isso mesmo, considera-o como a primeira sede da imagem da Trindade no homem, na medida em que criado à imagem e semelhança de Deus.<br /><br />Assumindo a concepção agostiniana de que o homem não é corpo nem alma — mas um conjunto substancial de corpo e alma —, Tomás atribui à alma o espaço de “ato do corpo”: é neste sentido que a alma se apresenta como um conjunto de potências as quais se apresentam de acordo com as mesmas relações que a alma, a forma substancial, guarda com a matéria. Antecipando-se em relação a seu tempo quanto às relações entre alma e corpo ou mente e cérebro, Tomás assumiu a percepção de que a alma se põe em ato por sua (i) parte ou potência nutritiva ou por sua (ii) potência intelectiva. Pela primeira, a alma age por via natural, consoante as condições impostas pela matéria, e nesse sentido sua liberdade é restrita, pois os processos sensitivos oferecem contínua resistência às deliberações humanas, ou mesmo modelam as possibilidades de deliberação. Pela segunda, a alma transcende a matéria e as condições materiais, e é nesse sentido que se impõe a analogia trinitária de Agostinho. Pela potência intelectiva, a mente se torna sede da imagem da Trindade na mesma medida em que três condições coexistem, isto é, apenas na medida em que existe, vive e entende.<br /><br />Diante da tese agostiniana no livro X do <i>De Trinitate</i> consoante a qual a memória, a inteligência e a vontade são uma mente, uma essência, uma vida e, portanto, diante da possibilidade de poder provisoriamente concluir que assim como a vida pertence à essência, também a mente pertence à essência, Tomás considera, no entanto, que o sujeito ou substrato não se predica do acidente. Ora, se a mente se predica da memória, inteligência e vontade, que são na essência da alma, assim como o são no sujeito, a mente não é então a essência da alma. A resolução que Tomás oferece para o conflito entre as ideias de mente como essência ou conjunto potencial da alma é a seguinte: se viver acrescenta ao existir, assim como o entender ao viver, a perfeita razão de imagem da Trindade na mente depende do fato de que a criatura exista, viva e entenda. Na assimilação da imagem da Trindade, a mente tem o lugar da essência divina nas figuras da memória, inteligência e vontade, que ocupam, assim, o lugar das três Pessoas. A consideração da mente como essência da alma em Agostinho deve ser, portanto, relativizada, pois na verdade “assinala à mente aquelas coisas que se requerem para a imagem na criatura, quando diz que ‘a memória, a inteligência e a vontade são uma vida, uma mente, uma essência’” (<i>De mente</i>, I, §5). Em nós, diferentemente de Deus, existir, viver e entender não é o mesmo, mas são ditas <i>uma essência</i> na mesma medida em que procedem de uma essência da mente, ou seja, enquanto se compreendem sob uma mente, como partes sob o todo, assim como a visão e a audição são compreendidas como parte da alma sensitiva.<br /><br />A segunda questão é também crucial para compreendermos como Tomás de Aquino estrutura a hipótese de uma ciência da alma. Há memória na mente? Sem dúvida, de tal questão Tomás poderá depreender uma mais sofisticada moldura da mente humana no âmbito das relações entre o intelecto agente e o intelecto paciente com as imagens materiais e com as imagens imateriais. No artigo I, e por ocasião de duas etimologias para a palavra <i>mente</i>, Tomás se refere às funções de lembrar e de medir. Ao receber o conhecimento sobre as coisas, o intelecto as mede em relação a seus princípios. Neste sentido, o reconhecimento da função de medir como função do intelecto é de aparente simplicidade. A questão que ganha destaque é, pois, a seguinte: em que sentido se pode dizer que o intelecto, a parte mais elevada da mente, se lembra? Em outras palavras, como Tomás compreende a memória? Contra a concepção que caracterizará a resolução tomasiana, é possível alegar que a memória não é algo “próprio do homem”, na medida em que parece pertencer ao sensitivo, e não ao intelectivo. Ademais, a memória pode reter imagens sem que, para tanto, exista um aprendizado simultâneo, o que talvez seja um indicativo de que a memória não esteja na alma. Contrariando tais postulados, porém, Tomás recorre mais uma vez a Agostinho quanto à ideia de que o intelecto se projeta sobre si mesmo, isto é, o intelecto não só entende, mas entende que entende. A memória açambarca, em um sentido especial, o “poder conhecer que conhece”. Retomando de maneira fiel a concepção de memória e tempo que caracteriza a posição agostiniana dos livros X e XI das <i>Confissões</i>, Tomás não deixa de reconhecer o caráter “presente” da memória: a memória pode ser do presente no mesmo sentido em que o conhecimento e rememoração do passado supõem o papel atual do intelecto. No presente, o intelecto, sabendo que sabe, pode se projetar sobre imagens assimiladas no pretérito, em vista de reorganizá-las no estado atual, tendo, obviamente, o presente como referência. Da mesma forma que Aristóteles considerou a alma como o lugar das espécies, isto é, dos inteligíveis que permanecem no intelecto possível após a consideração atual, em Tomás é a memória a força de retenção dessas espécies inteligíveis, sendo a ordenação das espécies o “hábito da ciência”. A memória é sempre presente a si mesma, e sua força memorativa diz respeito à simples possibilidade de ter algo <st1:personname productid="em ato. Ou" st="on">em ato. Ou</st1:personname> seja, ainda antes de receber as espécies dos sentidos, a memória já é presente a si mesma , assim como Deus é presente nela.<br /><br />No artigo III, Tomás prossegue a discussão apoiado em suas considerações anteriores, a partir das quais discutirá as relações entre memória e inteligência. Memória e inteligência são duas potências distintas? Sem dúvida, de tal discussão Tomás poderá adquirir um framework ainda mais elaborado da alma, isto é, uma concepção ainda mais distintiva da ciência da alma. Neste caso, a fidelidade à concepção agostiniana depende, em grau elevado, da afirmação da memória e inteligência como potências distintas. No entanto, é nesse momento que Tomás parece superar a originária trilogia de Agostinho. De imediato, há dois princípios tomasianos que configurarão a originalidade de seu equacionamento e de suas resoluções. O primeiro: o intelecto, como parte superior da mente, é mais apto a ser imagem da Trindade. O segundo: se Deus é puro ato, sem mescla de potência, a mente o significa mais propriamente enquanto está em ato, e não <st1:personname productid="em h£bito. Para" st="on">em hábito. Para</st1:personname> afirmar a analogia da mente com a Trindade das Pessoas, é preciso considerar uma correspondência entre as potências da mente, de tal forma que se afirme uma unidade de operações entre a potência apenas em nível lógico, e não em nível real. Para afirmar a analogia da mente com a Trindade das Pessoas em sintonia com a perspectiva agostiniana, Tomás recorre às duas analogias agostinianas: mente-conhecimento-amor e memória-inteligência-vontade. A analogia entre a mente e a Trindade das Pessoas ainda pode ser considerada a partir da perfeição ou imperfeição em que se estrutura a imitação: enquanto a mente opera em ato, isto é, o que faz quando se lembra, entende e quer em ato, temos uma imitação perfeita da Trindade. Quando, porém, estamos no nível dos hábitos da alma, a imitação se expressa consoante o modo imperfeito. Mente, conhecimento e amor são hábitos existentes na alma. O conhecimento e o amor são recebidos apenas habitualmente, e por isso pertencem apenas à memória, como mostra Agostinho no livro XIV de <i>De Trinitate</i>. Diante deste quadro, a resolução de Tomás se estrutura de acordo com a seguinte concepção: é a memória uma potência distinta da inteligência. Caso concebamos a memória em seu sentido próprio, ou seja, enquanto tem por objeto o particular, ela pertence à parte sensitiva do homem. De alguma forma, a mente ou o intelecto pode conhecer o pretérito. Isso, no entanto, não altera o fato de que, para o inteligível, a diferença do presente e do pretérito é meramente acidental. Portanto, a memória existente na mente não pode ser uma potência diversa, mas é o próprio intelecto, em sua função de passivo, no momento em que se recolhem as espécies inteligíveis.<br /><br />O refinamento de Tomás em relação à analogia agostiniana é essencial à estruturação de uma ciência da alma com características particulares. Apoiado em tais considerações acerca das relações entre memória e inteligência, Tomás pode, portanto, avançar para o problema do conhecimento das realidades materiais e sensíveis. Eis o problema que de imediato se coloca: por ser imaterial, a mente, em princípio, não poderia conhecer as realidades materiais nem mesmo enquanto imagens no intelecto. Impossibilitados estariam inclusive os mecanismos de conhecimento das imagens materiais por meio de imagens e formas que não são materiais. Tomás, porém, esclarece que o conhecimento da mente não consiste em uma apropriação direta das coisas materiais. Pelo contrário, todo conhecimento se faz pela forma, a mesma forma que, no sujeito cognoscente, é o princípio do conhecer. É a forma que faz com que o cognoscente conheça <st1:personname productid="em ato. O" st="on">em ato. O</st1:personname> conhecimento relativo ao cognoscível é determinado pela própria relação que tem com a realidade. É neste sentido que se diz que as realidades materiais podem ser conhecidas pelas mesmas formas que são recebidas pelo sujeito cognoscente. Como se explica esse processo? Pela ação das realidades sobre a alma, mediante a forma. O mecanismo tomasiano para justificar o conhecimento das realidades materiais e sensíveis pelas formas é precedido, mais uma vez, pela comparação do conhecimento humano com os conhecimentos angélico e divino, que também se fazem pela formas. O conhecimento humano das coisas materiais é também um conhecimento espiritual, na medida em que o intelecto tem acesso à essência das coisas, ainda que não seja um acesso direto, como no caso dos conhecimentos divino e angélico. O acesso é pelas “similitudes”, que não têm, enquanto tais, a mesma existência das coisas das quais são similitudes.<br /><br />Se é possível o conhecimento das coisas materiais e sensíveis pela mente, resta também saber se as coisas materiais podem ser conhecidas singularmente. É sobre isso que trata o artigo V, o que insere sua ciência da alma no âmbito da gnosiologia que caracteriza todo o debate dos séculos XII e XIII sobre a questão dos universais. Ora, na medida em que o singular é o que de fato existe, e na medida em que o existente é o fundamento de toda verdade, é de se esperar que o conhecimento autêntico dê conta da realidade em sua singularidade. A este favor temos o princípio da individuação: se é a matéria que dá existência ao singular, e se a mente pode conhecer as coisas materiais, por consequência pode conhecer as coisas singulares (<i>De mente</i>, IV, §1). Se tomamos a mente por referência, o resultado é idêntico: o conhecimento da composição depende do conhecimento dos termos da composição. Se a mente forma a composição, isso se dá a partir dos singulares, e a potência sensitiva, que não conhece as coisas no universal, apreende, pois, as coisas singulares (<i>De mente</i>, IV, §3). Em inúmeras ocasiões, Tomás reitera que a mente tem acesso às coisas naturais primariamente segundo a forma, e secundariamente conhece a matéria na medida em que se refere à sua própria forma. Mas neste campo estamos no registro da universalidade, e a matéria não se concebe aí como princípio de individuação. Por isso tudo, a mente de fato não conhece o singular diretamente, mas apenas por acidente, de modo indireto, na mesma medida em que é corroborada pelas forças sensitivas, as quais, como sabemos, recebem as formas das coisas em um órgão corporal para assim chegarem ao conhecimento da matéria singular.<br /><br />A mente não pode receber o conhecimento dos sensíveis, pela mesma razão que fica inviabilizada a concepção platônica segundo a qual as formas sensíveis são separadas e inteligíveis <st1:personname productid="em ato. Retomando Arist?teles" st="on">em ato. Retomando Aristóteles</st1:personname>, Tomás se posiciona a favor da tese que as formas universais só podem ser contempladas, neste estado presente, em que estamos marcados pela união de corpo e alma, a partir da matéria sensível. É também conhecida a oposição de Tomás à posição de Avicena segundo a qual nossas mentes recebem as formas inteligíveis de inteligências separadas. Em primeiro lugar, a experiência indica o contrário do que pensava Avicena: quando um sentido é defeituoso, há total ausência de uma ciência correspondente. Por outro lado, a mente humana só é capaz de considerar em ato as coisas das quais tem conhecimento habitual, mediante assimilação de imagens correspondentes. Quando o órgão responsável pelo <i>phantasmata</i> fica prejudicado, a mente nada pode considerar nesse âmbito. Ademais, se recebêssemos as formas inteligíveis de inteligências separadas, receberíamos, em mesmo nível, tanto as formas inteligíveis quanto as sensíveis. Oposição semelhante recebe a posição platônica, segundo a qual conhecer é rememorar, já que a alma humana em si mesma contém o conhecimento de todas as coisas, independentemente do recurso aos sentidos e ao aprendizado (sobre isso, vale lembrar do exemplo do escravo no <i>Mênon</i>). Inviável é a concepção platônica na mesma medida em que, por exemplo, ignoramos tudo aquilo de que não temos sentido. Além disso, a ciência da alma de Tomás não pode admitir que a alma tenha sido criada antes do corpo e, por uma razão aleatória e arbitrária, unida a esse. Nesse caso, a composição substancial de corpo e alma no homem não seria natural.<br /><br />Tomás, nesse momento, estabelece uma orientação filosófica que de fato será determinante para a ulterior irrupção dos conimbricenses, a saber: a alma como causa para si mesma. Trata-se da ideia segundo a qual a formação em si da similitude das coisas faz com que a mente permaneça autônoma para se dar as formas em ato, independente do recurso aos sensíveis. O recurso a Aristóteles nesse caso é justificável: a ciência é em parte de dentro e em parte de fora da mente. De fato, em relação às coisas sensíveis, a alma está em dupla relação: a) como o ato para potência, já que as coisas fora da alma estão em potência inteligíveis. Neste sentido, a mente é inteligível em ato e o intelecto agente torna os inteligíveis potenciais em inteligíveis em ato; b) como a potência para o ato, já que o intelecto possível recebe as formas (que estão em ato nas coisas), e que são tornadas inteligíveis em ato pela luz do intelecto agente. De fato, da mesma forma que a luz interior provém de Deus, a ciência da alma de Tomás supõe que a mente receba a ciência dos sensíveis, e de modo algum forma em si as similitudes das coisas: as coisas, abstraídas dos sensíveis, são, como é sabido, atuadas pela luz do intelecto agente: “E assim também no lume do intelecto agente é, em nós, de algum modo, posta originalmente toda ciência, mediante as concepções universais que imediatamente são conhecidas por aquele lume, pelas quais, como por princípios universais, julgamos outras coisas, e os reconhecemos nas mesmas” (<i>De </i>mente, VI).<br /><br />Este artigo VII contempla de forma cabal a discussão sobre o conhecimento da mente, no exato sentido em que ata o início e o fim de certo nível da discussão, a saber: de que forma ou a partir de que objetos de conhecimento a mente mais realiza a imagem da Trindade? Em princípio, postula-se a ideia de que a imagem da Trindade está na alma simplesmente enquanto conhece, tanto as coisas materiais quanto as eternas. Sobre isso mais uma vez notamos a presença do livro X do <i>De Trinitate</i>, quando Agostinho considera que a igualdade das Pessoas é bem representada em nossa mente, ao considerarmos claramente a conjunção de memória, inteligência e vontade. Em verdade, qualquer nível do conhecimento de si evoca uma similitude da Trindade, no mesmo espírito <st1:personname productid="em que Agostinho" st="on">em que Agostinho</st1:personname> esclarece <st1:personname productid="em De Trinitate" st="on">em <i>De Trinitate</i></st1:personname>, no livro XI. O reconhecimento da mente como imagem de Deus é, em Tomás, como em Agostinho, dependente em absoluto da mente que se conhece a si mesma. É o conhecimento de si a evidência mais primordial, da qual depende inclusive a teologia de Tomás. Do ponto de vista da teologia tomasiana, a perfeição maior do homem é adquirida no momento em que a mente conhece a Deus, já que na relação criador-criatura o homem se coloca em relação a Deus em situação de correspondência, e não de analogia. E, como sabemos, em Tomás é mais perfeito o conhecimento por conformidade que por analogia. Neste sentido, se, enquanto criatura, nossa mente está mais próxima das realidades temporais, por intermédio do conhecimento de si e, mais ainda, por meio do conhecimento de Deus, mais próximos estamos do conhecimento e amor de Deus do que das coisas temporais.<br /><br />Podemos, enfim, tocar no ponto nevrálgico do problema: o autoconhecimento da mente, ou ainda a possibilidade de conhecer-se por essência, questão que sem dúvida justifica as pretensões de Tomás quanto à hipótese de construção efetiva de uma ciência da alma. O artigo VIII, provavelmente o mais complexo da questão X, se propõe dar conta da seguinte indagação: se a mente conhece-se a si mesma por essência ou por outra espécie. Em outros termos: a mente humana conhece-se a si mesma imediatamente e sem nenhuma representação, ou depende uma espécie abstraída das coisas para se conhecer? Enfim, é possível à mente olhar-se, intuir-se, ter uma autoconsciência, a ponto de não apenas saber que existe, mas que é? Existem razões favoráveis à ideia de que existe alguma espécie mediadora para o autoconhecimento da mente. Dentre estas, podemos citar a de Aristóteles, para quem o intelecto nada entende sem imagem e não pode ter da própria essência uma imagem (<i>De mente</i>, VIII, §1). Este argumento encontra fortes razões se considerarmos a alma como uma forma unida à matéria, sendo, ademais, que toda forma desse tipo se conhece por abstração da matéria, inclusive a alma (<i>De mente</i>, VIII, §4). É nesse sentido que, com grande proficiência, Aristóteles diz, em <i>De anima</i>, que entender é ato não apenas da alma, e supõe sempre algo do corpo. Depreende-se daí que não pode a alma se ver a si mesma por essência, sem espécie alguma que dos sentidos do corpo tivesse recebida (<i>De mente</i>, VIII, §5). No entanto, é também verdade que, em relação a si, a mente tem o conhecimento habitual, mediante o qual percebe que existe, ainda que possa não conhecer sua natureza. A mente sabe que existe, e esse conhecimento pode ser em ato ou <st1:personname productid="em h£bito. Em" st="on">em hábito. Em</st1:personname> ato, é quando a alma se conhece por seus atos: ela percebe que se entende na medida em que entende algo. Em hábito, a alma se vê por essência na medida em que sua essência está presente a si, podendo passar ao ato de conhecimento de si mesma. Da presença na mente da essência da alma saem os atos nos quais a mesma se percebe atualmente.<br /><br />Quanto ao conhecimento da própria natureza da alma, existe o mecanismo da apreensão e o mecanismo do juízo. Trata-se de dois instantes fundamentais de todo conhecimento. Pela apreensão, nossa mente se entende, não imediatamente, mas apreendendo as outras coisas, ou seja, pelas espécies abstraídas dos sentidos. Se nossa alma está, como já intuíra Agostinho, no último lugar entre as realidades espirituais, e conhece as naturezas universais das coisas apenas porque é imaterial, o intelecto é independente da matéria, é “inteligível como os outros inteligíveis”, para usarmos a expressão de Aristóteles. Pelo juízo, porém, nossa mente é capaz de apreender a “inviolável verdade”, e atinge o conhecimento de como deve ser a mente de cada homem, por razões sempiternas. Neste artigo, quatro proposições de Tomás são extremamente esclarecedoras, a saber: a) se trata de conhecimento atual, a alma é conhecida por seus atos. Alguém percebe que tem alma, que vive e existe, quando percebe que sente e entende, e exerce outras funções semelhantes da vida. Ninguém percebe que se entende senão na medida em que entende algo; b) se trata do conhecimento habitual, a alma se vê por essência na medida em que sua essência está presente a si, podendo passar ao ato de conhecimento de si mesma. Para que a alma perceba que existe e atenda ao que faz em si mesma, não se requer um hábito, mas basta a essência dela, que é presente à mente: dela saem os atos nos quais a mesma se percebe atualmente; c) quanto à sua natureza, a mente se apreende, não imediatamente, mas através das espécies que são abstraídas dos sentidos; d) para saber o que deve ser, seu juízo se constituirá a partir da intuição daquilo que nela habita como “inviolável verdade”, “pelas razões sempiternas”.<br /><br />A mente se conhece a si mesma também porque é incorpórea: para conhecer-se que existe, basta que seja capaz de refletir sobre seu próprio ato. Se lembrarmos da significação que a tradição emprega aos argumentos cartesianos acerca da indubitabilidade do conhecimento de si a partir do fato de que somos capazes de refletir sobre nossos próprios pensamentos, torna-se ainda mais indiscutível a significação do pensamento tomasiano. Por outro lado, para conhecer o que é, em si mesma, é necessário que considere seu objeto. A mente é de fato inteligível em si mesma, razão pela qual não é princípio de autocognoscibilidade. Não há a hipótese de pensarmos a mente, inteligível em si mesma, conhecendo-se a si por uma intuição fundamental de si mesma ou por uma espécie abstraída de si. Antes, devemos pensá-la pela espécie abstraída de seu objeto, que se torna “forma” na mente enquanto entende em ato.<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Referências</span><br />AGOSTINHO. <i>Sobre a Trindade</i>. Tradução e introdução por Augusto Belmonte; notas<br />complementares de Nair de Assis Oliveira. <span lang="FR">São Paulo: Paulus, 1994.<o:p></o:p></span><br /><span lang="FR">ARISTOTE. <i>De l'Âme</i>. Texte établi par J. Annone; traduction et notes de E. Barbotin. </span>Paris: Belles Lettres, 1966.<br />CAMELLO, Maurílio J. Introdução. In: TOMÁS DE AQUINO.<i> De Magistro: Sobre o Mestre (Questões Discutidas sobre a Verdade</i>, XI<i>)</i>. Introdução, tradução e notas de Maurílio Camello. Lorena-SP: UNISAL - Centro Universitário Salesiano de São Paulo, U. E. Lorena, 2000, p. 6-9. Edição bilíngue (http://www.lo.unisal.br/nova/graduacao/filosofia/artigos.html).<br />______. Introdução. In: TOMÁS DE AQUINO.<i> Sobre a mente, na qual está a imagem da Trindade (Questões Discutidas sobre a Verdade</i>, X<i>)</i>. Introdução, tradução e notas de Maurílio Camello. Lorena-SP: UNISAL - Centro Universitário Salesiano de São Paulo, U. E. Lorena, 2001, p. 5-27 (http://www.lo.unisal.br/nova/graduacao/filosofia/artigos.html).<br />CERQUEIRA, Luiz Alberto. <i>Filosofia Brasileira</i>: Ontogênese da consciência de si. Petrópolis-RJ: Vozes; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2002.<br />______. A projeção do aristotelismo português no Brasil. In: CERQUEIRA, Luis Alberto (Org.). <i>Aristotelismo Antiaristotelismo</i>: Ensino de Filosofia. Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2000, p.217-234. ISBN 86854.<br />TOMÁS DE AQUINO. <i>Sobre a mente, na qual está a imagem da Trindade (Questões Discutidas sobre a Verdade</i>, X<i>)</i>. Introdução, tradução e notas de Maurílio Camello. Lorena-SP: UNISAL - Centro Universitário Salesiano de São Paulo, U. E. Lorena, 2001.<br />______. <i>Suma teológica</i>: Tradução de Aldo Vannucchiv, Bernardino Schreiber, Bruno Palma, <i>et alia</i>. São Paulo: Loyola, 2003. Edição bilíngue.<br />______. <i>Suma Contra os Gentios</i>. Tradução de D. Odilão Moura, OSB e revisão de Luis A. De Boni. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS/ Edições EST, 1996. Edição bilíngue.<br />______. <i>A unidade do Intelecto:</i> Contra os averroístas. Tradução, apresentação, glossário, quadro cronológico e índice onomástico por Mário Santiago de Carvalho. Lisboa: Edições 70, 1999, p.43-192. Edição bilíngue.<br />______. <i>Compêndio de Teologia</i>. Tradução, introdução e notas de D. Odilão Moura, OSB. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. (filosofia).<br />______. <i>Sobre el principio de individuación</i>. <span lang="ES-AR">Introducción</span>., texto bilíngue y notas de Paulo Faitanin. Pamplona: Cuadernos de Anuario Filosófico, 1999, p.79-104. Edição bilíngue.</div><div></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><p class="MsoNormal"><span lang="FR"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p></p>CEFIB, IFCS, UFRJhttp://www.blogger.com/profile/14536516851252027056noreply@blogger.com0